terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Pedra e paixão

(caio silveira ramos)

Tinha uma pedra de dois milímetros no meio do caminho.
Fui parar no hospital, tomei soro, fiquei de molho e meu João foi passar uns tempos na casa dos avós.  No segundo dia, não por culpa deles, mas talvez da saudade, e contrariando seu estado habitual, ele estava amuado, sem apetite, com enjoos. E com febre.  
Em situações extremas, ele incorpora Edgar Allan Poe e dramaticamente brada: “nunca mais!”.  Dessa vez, porém, depois de surpreendentemente recusar um belo frango empanado, ele cabisbaixo apenas sussurrou para sua tia: “acho que nunca mais eu serei feliz”.
Mas já na quarta-feira à noite, depois de nos encontrarmos, ele foi tomar um banho e o corvo poerento voou para longe: feliz, debaixo do chuveiro, João Pedro cantou o hino do nosso time com todos os seus vinte pulmões, certo da vitória na final do campeonato que iria começar dali a vinte minutos.
Depois de vê-lo com os olhos embaçados durante um tenso jogo anterior, tinha prometido para mim mesmo que iria acompanhar as partidas do nosso time com a indiferença de uma madame assistindo, durante o chá, uma partida de golfe no Nepal.  Mas depois daqueles dias difíceis, deixei que João Pedro acompanhasse à partida com todas as emoções que tinha direito.
Antes da disputa de pênaltis decisiva, ele segurou minha cabeça com doçura e firmeza, encostou sua testa na minha e olhando fundo nos meus olhos disse: “nessa hora eles têm que ter paixão. Têm que ter paixão.” Eu só repeti baixinho: “paixão.”.
Depois de rolarmos no tapete da sala comemorando o título, e já com os ânimos mais serenos, eu disse que achava que o time tinha atendido seu pedido. Ele, aliviadamente esquecido, me olhou intrigado, e eu devolvi: “você se lembra do que disse que o time precisava na hora dos pênaltis?”
“Gols?”
“Sim, mas não foi isso que você disse.”
“Defesas?”
“Também não.”
“Colocar a bola onde a coruja faz o ninho?”
“Não. O que é fundamental na vida, filho? Paaaaaaaai...”
“Pai e mãe.”
Ri gostosamente e lembrei a ele que tinha dito “paixão”.
Ele gargalhou feliz, disse um “ah, é!” e, cantando e vibrando, foi comemorar nos braços da torcida.

Ilustração: Erasmo Spadotto - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 13/12/2015

Doce vida

(caio silveira ramos)

Eu poderia dizer que o mar chegou a Minas Gerais.  E que é um mar de lama de detritos, morte e destruição que invadiu o Estado após o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco. Mar que, depois de atingir Minas, chegou ao Espírito Santo: o Rio Doce tem gosto de ferro, negligência e corrupção. 
Ou dizer que Paris sofreu violentos ataques terroristas que mesclam intolerância, radicalismo e covardia. E que tantos outros ataques covardes arrasam, todos os dias, países já assolados pela miséria na África e na Ásia.
Eu poderia comentar sobre as escolas fechadas em São Paulo, os fortes indícios de formação de cartéis para fraudar licitações de linhas de trens e o crescimento do crime organizado debaixo dos bicos do Estado.
Poderia também tratar dos escândalos do Mensalão, do Petrolão ou comentar sobre as estrelas políticas que alegam fins para justificar meios, esquecendo-se que a corrupção só gera mais corrupção e desvirtua todos os fins. Qualquer fim.
Ou até lamentar a arrogância cínica de chefes de Poderes, arautos dos bons costumes e donos de contas suspeitas na Suíça.
Mas hoje eu quero apenas me lembrar do Doceiro.
O Doceiro, que perdi o nome e por isso vou chamá-lo apenas assim, mas com letra maiúscula. O Doceiro, de cabelos pretos e sobrancelhas grossas, que para mim, era igualzinho ao apresentador do Programa de TV “Mundo Animal”.
O Doceiro, que era esperado de quinze em quinze dias na rua da minha casa e tocava a campainha para oferecer seus produtos e seus sorrisos.
O Doceiro, que vinha de chapéu de palha e um carrinho pouco maior que esses de feira, todo rodeado por uma placa de alumínio decorada com furinhos que não deixavam ver os doces lá dentro (talvez só para guardar surpresa).  O Doceiro, que falava o que tinha no dia, enquanto tirava os produtos do carrinho. E ia mostrando tudo, os olhos da gente brilhando junto com as barras firmes em forma de tijolinhos embalados com plástico e com o rótulo grudado no centro: doce de leite, paçoca (daquelas mais consistentes e macias), goiabada e bananada coberta com açúcar, tudo para cortar com faca ou já repartido em quadradinhos.
Houve fases em que ele só vendia um tipo de doce: palitos compridos de bananadinha açucarada embrulhados como se fossem balas em plástico transparente.  Ou pacotes de “geleinha” de mocotó, metade branca, metade rosa. Ou conezinhos de massa frita recheados com doce de coco. Mas tudo o que ele vendia era gostoso.
Até que O Doceiro não veio mais. Fiquei sem sorriso, sem notícias, sem doces, sem saber seu nome.
Mas ficou na boca o gosto da vida verdadeira, sem corrupção, sem intolerância.  Só feita por um sorriso debaixo de um chapéu de palha.


Ilustração: Erasmo Spadotto – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 29/11/2015



Olhos de ver

(caio silveira ramos)

Eu ainda era pequeno, muito pequeno, mas minha mãe logo percebeu que alguma coisa no meu olhar não estava bem.  Talvez eu também até percebesse, mas como o mundo que se me apresentava era bom – e eu não tinha outro olhar para comparar -, me pareceu que tudo deveria ser como já era.  Mas para ela não: eu merecia conhecer o mundo com todos os seus sentidos.
Ela procurou um oftalmologista, depois outro, e outro, e outro. Foi até Campinas, mas a resposta era a mesma: “isso é coisa de mãe. A senhora é que está enxergando demais”.
Mas ela sabia que não somente os médicos estavam enxergando menos do que deveriam: eu também estava.
Foi então que ela descobriu o jovem oftalmologista Francisco Komatsu. Já na primeira consulta, enquanto me distraía com um coelho e uma coruja movidos à corda, ele constatou que a visão da mãe estava certa e a do filho realmente errada. E o que era pior: era grande o risco da vista se perder para sempre: “dificilmente ele escapará de uma operação”.  Minha mãe perguntou se nenhum outro método poderia ser tentado antes de uma cirurgia.  Ele disse que poderíamos experimentar algumas coisas, mas insistiu: “dificilmente ele escapará de uma operação”. 
Então começamos a correr contra o tempo: passei a usar óculos, muitas vezes com tampões e artifícios lúdicos para me distrair: para forçar a vista preguiçosa, tapava-se uma das lentes com coisas curiosas - recurso que minha mãe chamava de “televisãozinha” -, como um esparadrapo mágico, um durex invisível ou até quadrinhos de gibis da Turma da Mônica. Mas eu devia me cansar daquela ginástica, porque várias vezes me pegaram com os óculos virados de ponta-cabeça: eu queria deixar meu “olho melhor” livre para ver o que o outro desperdiçava.
Além das consultas periódicas com Dr. Komatsu, passei a frequentar também a sala de uma técnica-ortóptica, uma moça muito doce chamada Walquíria, que me postava diante de quadros com letras e figuras, e também de aparelhos curiosos que serviam para exercitar meus olhos: em um deles, eu deveria, como se manejasse um periscópio, colocar um leão desenhando em uma jaula. No outro, um soldadinho tinha que ir para dentro do quartel. Minhas mãos tentavam dirigir aqueles lemes, para frente e para trás, mas frequentemente as figuras iam para um lado e a jaula ou o quartel para o outro. Eu não conseguia, não conseguia: era traído pelos meus próprios olhos. Um dia cheguei a dizer que tinha acertado. Mas logo contei a verdade: minha visão parecia querer o leão e o soldado livres para sempre.
Em casa também havia exercícios. Recortava-se de um jornal um artigo comprido. E eu, com uma caneta hidrográfica vermelha, tinha que fazer um pontinho dentro de cada letra que tivesse uma parte fechada, como um “a”, um “o”, um “g” ou um “p”. Outra brincadeira interessante era colar um grande desenho (a figura do Cebolinha, por exemplo) em uma placa de isopor fina e, com uma agulha – com a parte em que eu segurava devidamente protegida por um esparadrapo cuidadosamente colocado por minha mãe para não ferir meus dedos e meus olhos – furar todo o contorno da figura: quanto mais juntos os furos melhor. 
E havia também o terrível colírio guardado na geladeira. Eu confesso que não me incomodavam as gotas geladas caindo nos meus olhos.
O que me intrigava, depois que minhas vistas se desembaçavam, eram as gotas que, quase escondidas, teimavam em envidraçar os olhos de minha mãe.

***
Dr. Komatsu endireitou-se na cadeira e me cumprimentou:
“Parabéns! Você conseguiu!”
E virando-se para minha mãe, completou:
“A senhora salvou a vista dese menino.”
Depois de um ano e meio de colírios gelados, consultas, exames, exercícios de ortóptica, tampões, e de óculos e lentes que muitas vezes custaram os olhos da cara de dois professores da rede pública, os meus próprios olhos escaparam de uma operação que, no meio da década de 1970, deveria apresentar uma série de riscos.  Mas esses mesmos olhos contaram com atalhos que facilitaram tal fuga: a ciência e a sagacidade do Dr. Komatsu, a serena doçura de Walquíria - a especialista em Ortóptica -, o acolhimento de Dona Rosa e de toda equipe do consultório, algumas poucas caixinhas de bonecos “Playmobil” comprados (ainda sob o efeito embaçador de colírios para dilatar a pupila) no “Ao Cardinali” (que maravilhosamente ficava no caminho de volta do consultório), e principalmente os atalhos cavados pelos olhos de uma mulher que viu o que vários médicos não viram. Que viu o que eu não conseguia ver. Que viu que eu não poderia ver. Que viu por mim.
E mesmo com a vista salva, várias sentenças rondaram (e ainda rondam) meus olhos:
1ª) “Nunca terás cem por cento de visão. Aliás, estarás longe disso. A propósito, tua visão ficará cada vez pior.”
2ª) “Deverás sempre se sentar, enquanto na escola estiveres, bem na frente e bem no meio da sala.”
E lá fui eu “para o meio e para frente” em uma época em que não se associava a imagem de meninos de óculos à descolada figura de um “nerd”.  E mesmo sendo também uma época em que ninguém usava ainda a palavra “bullying” – mas ele existia de todas as formas possíveis – nunca sofri, em todos os meus anos na escola, qualquer tipo de gozação ou aporrinhamento.  Tive a sorte de ver brotar amigos que me acompanharam pelas salas de aula e pelos pátios das escolas, e que ainda, muitas vezes, vieram se sentar ao meu lado para que eu não me sentisse sozinho.
No último ano de colégio, quis me rebelar contra os meus olhos. Tentando fazer com que a colega ao lado virasse seu olhar na minha direção, resolvi, durante uma semana de aula, me sentar no meio, mas na terceira fileira. E ainda sem os óculos!  Não enxerguei a lousa, nem as fórmulas das aulas de Química. Não consegui ver (lógico), mas provavelmente a colega ao lado nem deve ter reparado na minha mudança de lugar e de estilo. E na semana seguinte, lá estava eu de novo, de óculos na cara e sentado na carteira do meio e da frente.
E nos caminhos que fui trilhando (às vezes levando alguns tropeços e umas tantas topadas) aprendi a remodelar meus outros sentidos, tentando enxergar além dos olhos.  Mas mesmo eles, ainda que mais nebulosos a cada ano, nunca deixaram de me acompanhar nas leituras dos livros e do mundo.  E dessa forma, fui tentando treinar meus olhos-de-pouco-enxergar para muito ver.
Assim como os olhos que me foram emprestados na infância por uma mulher. Olhos que olharam por mim.
E me permitiram mirar os infinitos.


Ilustração: Erasmo Spadotto – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 1º e 8/11/2015



terça-feira, 27 de outubro de 2015

O homem do cata-vento

(caio silveira ramos)

Sabe a Deise? É, a Deise, amiga inseparável da minha irmã Raquel. Isso mesmo, as duas sempre juntas, sempre falando-rindo-falando, felizes da vida: a falta de assunto nunca apareceu para elas. Isso, conhece? Pois é, foi ela quem contou que tinha um professor de Inglês que dava aulas individuais ou no máximo para duas pessoas. A Deise tinha aulas com ele uma vez por semana e comentou sobre o irmãozinho assim-assado da melhor amiga: “o senhor precisa ver!”.  Depois disso, a Deise, sempre risonha e generosa, falou pra mim: “Dr. Ruben quer conhecer você. Disse para levar o boletim.”
E eu fui com minha mãe, numa noite de quarta-feira, até a rua Alferes, quase esquina com a Dom Pedro II. Ali era a casa do Dr. Ruben Carvalho, pesquisador internacionalmente reconhecido e Professor Catedrático de Fitopatologia e Microbiologia Agrícola da ESALQ, aposentado fazia muitos anos.  Mas naquela noite ele disse, apenas, “aposentado”.  E também que seu médico recomendara que, aos 77 anos, deveria fazer alguma atividade para exercitar a mente.  Por isso ele tinha resolvido dar aulas de Inglês para alguns alunos recomendados por pessoas conhecidas.  
Naquele primeiro contato tive um pouco de medo: Dr. Ruben era um homem grande, de rosto redondo e nenhum fio de cabelo na cabeça. Usava óculos de aro grosso, escuro e quadrado, e fumava um cigarro longo. E parecia muito sério e educado. Olhou meu boletim com atenção e perguntou se eu poderia vir às quartas-feiras, às três horas da tarde, para começar as aulas.  Minha mãe, pedindo desculpas, indagou sobre o preço e ele serenamente disse que não cobrava nada. E emendou: “é ele quem está me fazendo o favor: as aulas fazem bem para mim”.
Logo no primeiro dia, todos os meus medos se perderam pelo ar e não foram nunca mais vistos.  Nem mesmo pelo galinho-cata-vento que o próprio Dr. Ruben tinha construído para enfeitar o quintal em declive, e que girava bem perto da edícula de teto baixo dividida em dois cômodos, ambos com grandes janelas.
O primeiro cômodo abrigava uma mesinha que servia para passar roupas, mas que muitas vezes foi utilizada para os estudos da minha irmã Ruth, que me fazia companhia nas idas e vindas para as aulas. O segundo – que já tinha sido uma oficina de marcenaria para os trabalhos manuais e artísticos do professor –, agora era usado como sala de aula, decorado apenas com uma mesa de madeira (provavelmente feita por ele mesmo) e uma lousa pendurada na parede caiada. Nós nos sentávamos frente a frente, e eu, depois de descobrir seus títulos acadêmicos e sua importância nos meios científicos, ficava me perguntando como um homem tão importante, que tinha dado aulas e conferências em tantos outros países, e ainda tivera como mentor o grande pesquisador americano Edwin E. Honey, podia tratar com tamanha deferência um menino que ainda usava shorts
Um menino a quem o Professor Doutor dava aulas de Inglês.
Um menino a quem o Professor Doutor chamava simplesmente de Cainho.

***
Nos dias de chuva, me lembro do Dr. Ruben Carvalho e seu sorriso aberto junto com o portão. E de seu guarda-chuva enorme me protegendo enquanto desviávamos dos canteiros incrustados no pátio de pedras lisas. E depois, quando passávamos pelo portão alto, descíamos pela rampa do quintal sob os giros molhados do galinho-cata-vento e chegávamos à edícula onde ficava a sala de aula.   Eu via pelo janelão os verbos irregulares se misturando à chuva grossa, até que chegavam, numa bandeja de prata, uma garrafa de Guaraná Antárctica e bombons de chocolate. E os verbos irregulares saiam da chuva.
Me lembro dele também ao me encontrar num porta-retrato morando na casa materna: a foto tirada por ele, o sorriso tímido dos doze anos, as lentes dos óculos escurecidas pela claridade, a pastinha, com o caderno e as apostilas datilografadas, abrigada em frente ao peito.
Me lembro do Dr. Ruben Carvalho quando alguém abre uma garrafa de vinho do Porto. Me acho de novo nas visitas das férias, eu e minha mãe levando lembranças de agradecimento e flores para dona Maria da Glória. Na sala, eu sem jeito nas poltronas elegantes, as mãos sem saber aonde ir, a voz sem saber o que falar. Então era servido um calicezinho de vinho e bombons recheados de licor. Eu comendo devagar, mordendo uma pontinha todo educado, o licor escorrendo pelos dedos e querendo escapar pelo canto da boca. As mãos ainda mais perdidas, o que fazer, o que fazer?, um lenço saindo do bolso, o licor secando nos dedos. Na hora da despedida, tudo certo: o licor era tão encantado que as mãos já estavam limpas para os cumprimentos.
Penso no meu avô ao me lembrar do Dr. Ruben Carvalho: depois de dois anos, o mesmo médico que disse para ele dar aulas, recomendou que era hora de parar.  Nos despedimos cheios de tristeza e os verbos irregulares se perderam na enxurrada.  Mas, três anos depois, quando passei no vestibular, ele veio me fazer uma visita.  Elegante como sempre. E ainda mais. Assim como tinha sido meu avô, mesmo nos tempos mais difíceis: chapéu de feltro, paletó, gravata-borboleta e uma bela bengala.  E Dr. Rubens trouxe flores para minha mãe, conversas para meu pai, bombons para a família e um cartão para mim, que guardo até hoje e releio sempre que posso.
A lembrança do Dr. Ruben de Souza Carvalho, pesquisador brilhante e antigo Professor Catedrático de Fitopatologia e Microbiologia Agrícola da ESALQ, se despedaça pelas ruas da cidade: nenhuma delas lhe faz uma homenagem. Mas não importa, pois se as ruas guardam os nomes, também perdem rapidamente a memória.
 Passeio com os dedos pelo cartão e as palavras escritas à caneta pelo meu velho professor de Inglês, feito o licor numa tarde de férias, escorrem pela minha mão.  
Não preciso de lenços nem da água da chuva: gentis como sempre foram, Dr. Ruben e suas palavras já se descolaram da minha pele.
E sem pressa, escapam para dentro do meu peito.


Ilustração; Erasmo Spadotto - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em  11 e 25/10/2015


Histórias das fotos de uma menina

(caio silveira ramos)

Talvez seja muito cedo. Ainda muito cedo. Eu não a conheço, mas preciso falar sobre ela.  Helloysa, Eloísa, Heloísa, Helô: ela.
Mas ainda é muito cedo: Heloísa tem dois anos.
Mas Heloísa tem dois anos e daqui a pouco será moça, morará sozinha, viajará até Paris, passeará em Lisboa.  Eu preciso falar sobre ela agora. Antes que ela ganhe o mundo.
Chegou assim, com dois anos e muitas histórias.  Falando pelos cotovelos, balançando os cachinhos, revirando a vida dos compadres e de três gatos abismados.  Chegou com três DVDs de suas músicas e seus filmes preferidos.  Ainda não a conheço, mas já vou avisando: não sou fã do “Patati Patatá” e cismo com a canção da bolacha de água e sal do “Palavra Cantada”.  Mas gosto da “Peppa Pig” e das músicas do Cocoricó. Vou cantar para ela “Nos dias quentes de verão” e “Chuva, chuvisco, chuvarada”: vamos comer bolo de cenoura com cobertura de chocolate quente e banana saída do forno com açúcar e canela: que a bolacha de água e sal sirva apenas quando tivermos dor de barriga.
Ainda não a conheço. Ou só a conheço pelas fotos. Então vamos falar sobre as fotos na ordem que chegaram para mim. Do jeito que Heloísa chegou. Histórias:

Foto 1: É ela! E é linda. Está frio no parque e Heloísa usa um conjunto vermelho.  Ela parece muito feliz e divide o balanço com uma boneca. Ao fundo, o compadre observa a alegria e segura uma sacola de plástico com a mão esquerda. Não dá para ver o que tem na sacola.
Foto 2:  Heloísa ainda está no balanço com a boneca. Meigamente pende a cabecinha para o lado direito e mostra um sorriso doce. Ao fundo, o compadre observa a doçura e ainda segura a sacola de plástico com a mão esquerda. A sacola tem o logotipo de uma farmácia. Parece que tem um pacote de fraldas dentro. Ou talvez um babador para o compadre.
Foto 3:  Heloísa está no carro, na cadeirinha nova e vermelha. Parece compenetrada. Ao seu lado, sentado no banco, um cachorrinho de pelúcia com focinho igual ao do Mickey.
Foto 4: Heloísa continua no carro, na cadeirinha nova e vermelha. Ao seu lado, permanece o cachorrinho de pelúcia com focinho igual ao do Mickey. Ela sorri. E seu sorriso é ainda mais doce.
Foto 5: Na cozinha da casa nova, Heloísa – com classe e fineza - usa uma colher grande para apanhar as rodelas de banana num prato quadrado de louça. Na mão esquerda ela segura uma chupeta.  Calça meias listadas, que combinam até com a toalhinha da mesa. Ao fundo, na área de serviço, os pés do compadre estão metidos em um par de chinelos confortáveis.
Foto 6: Heloísa já apanhou – com classe, fineza e o apoio da mãozinha que segura a chupeta – a rodela de banana com a colher, e prepara a boquinha (ou o bocão?) para devorar a fruta. Ao fundo não se vê mais os pés do compadre. Deve estar na sala com um livro na mão.
Foto 7: De costas para TV, Heloísa olha para câmera com a chupeta no canto da boca. Deve ter se cansado do “Patati Patatá”.
Foto 8: Ao fundo, estirados sobre o sofá comprido, os pés do compadre (com meias) e os pés da comadre (sem meias). Em primeiro plano, usando uma chupeta em forma de borboleta, Heloísa. Com um sorriso irresistível nos lábios e nos olhos.
Foto 9: Em frente ao piano, de chupeta nova e cachinhos soltos, Heloísa desfila com a mão esquerda na cintura. De blusa amarela e calça vermelha (acho), usa os chinelos de bolinhas da comadre.
Foto 10: Balançando os braços e ainda usando o mesmo modelito – inclusive os chinelos de bolinha da comadre – Heloísa desfila pela sala, desviando dos brinquedos dos gatos. Os gatos não aparecem na foto.
Foto 11: Segurando um aparelho celular na mão direita (acho que ouve música), de camisa vermelha e calça azul, ela se prepara para escovar os dentes.
Foto 12: Ainda com o celular na mão esquerda (deve estar realmente ouvindo música), ela segura, com a outra mão e o canto da boca, uma escovinha de dentes de cabo amarelo e vermelho (deve realmente gostar de vermelho) e vira charmosamente o pezinho esquerdo para dentro. Acho que ela está dançando.

Ainda não a conheço: continuo só com suas fotos, mas preciso, preciso falar sobre ela agora. Antes que ela ganhe o mundo.
Não. Já é tarde.
O mundo já é dela. Todo dela.

Publicado no Jornal de Piracicaba em 27/9/2015

O segundo parto

(caio silveira ramos)

A primeira pessoa a me falar sobre o Marcos foi minha mãe. Ele devia ter 11, 12 anos e era seu aluno de piano na Escola de Música.   Mas ela admirava a sabedoria daquele menino além da música: Marcos desenhava dinossauros com graciosa ciência e sabia uma infinidade de coisas das áreas mais diversas. De botânica à astronomia, nada escapava da sua curiosidade. 
Eu também gostava de astronomia, mas do meu jeito: enquanto o genial Marcos sabia as distâncias entre as galáxias e a velocidade dos astros, e parecia conhecer todos os segredos dos buracos-negros, eu sonhava com histórias em que Michael Collins, o único astronauta da Apollo 11 a não pisar na lua, tinha uma nova oportunidade e visitava outros planetas. Marcos tinha a dimensão da infinitude do Universo. Eu tentava entender a solidão de um astronauta.
Pois Marcos, na oitava série, veio frequentar o colégio em que eu estudava. Eu já o conhecia de vista, mas agora ele estava ali, na mesma turma. Imaginava um geniozinho excêntrico, chato e metido à besta, mas para minha surpresa ele podia até parecer excêntrico, porém era excentricamente bem-humorado e generoso.  Marcos era realmente esperto, mas não ficava se vangloriando de sua ciência e gostava de compartilhá-la.  E sabia rir de si próprio: quando teve que usar um colete com haste de ferro para arrumar a postura, ao ouvir as primeiras gozações já se pôs um apelido: Robocop.  Mas o apelido não pegou e ninguém mais deve se lembrar disso.  O que ninguém se esquece é que ele foi o único de sua turma a passar direto na Medicina da USP. 
E nós nos encontramos muito na rua Teodoro Sampaio, meu caminho para o Largo São Francisco e endereço da “Casa do Estudante” da Medicina.  Mas depois os caminhos se espalharam: terminada a faculdade, Marcos teve que servir um ano o Exército e só então pôde fazer a sonhada Residência em Psiquiatria no Hospital do Servidor.  E lá, encontrou em seu orientador, o mestre que mudou seu destino: Dr.Carol Sonenreich.
Marcos terminou a Residência e resolveu voltar para Piracicaba. Apaixonado pela Psiquiatria e pelas técnicas únicas de seu mentor, ganhou o profundo respeitado dos colegas e o amor agradecido dos pacientes.   Conhecido por não recusar os casos mais difíceis, se tornou uma referência na delicada missão de aliar os tratamentos psiquiátricos às gravidezes tanto arriscadas quanto infinitamente desejadas.
E o Doutor Marcos continuou sua trilha predestinada até que um dragão sem luzes resolveu atravessar seu caminho.
Porém, mais uma vez seu cérebro privilegiado soube encontrar novos atalhos.
E sua mãe soube ressuscitar Deus.

***
Durante minhas últimas férias, fui depois de muitos anos visitar o Marcos. Ele não estava: estava sua mãe.  Até que ele chegou: entrou pela sala feito um furacão ensolarado e me viu.  Exclamou interrogando meu nome e abriu os braços fraternos.
Durante horas conversamos sobre seus planos e sua memória pulsou toda sua paixão pela Medicina.   Falou de seus estudos incessantes, dos cinco livros que passou a escrever – um sobre os métodos inovadores de seu mestre na Psiquiatria, Carol Sonenreich -, da vontade de ensinar tudo que aprendeu e tudo que não se cansa de aprender. E de suas aulas de canto. E dos seus cantares em russo.
Me dei conta do porquê seus pacientes o amavam (e o esperam) tanto:  generoso, Marcos precisa da Medicina, assim como a Medicina precisa dele.   Talvez por isso, ela e ele tenham se entendido tanto, ainda mais depois do acidente: afinal, como explicar que ele esteja andando, conversando, pensando e sorrindo depois de tudo o que aconteceu? Como pode o Dr. Marcos estar vivo, produzindo pensamento e ação?  Bem, a explicação disso tudo talvez não esteja apenas no amor da Medicina por ele.
A notícia do terrível acidente sofrido pelo Marcos veio acompanhada de uma sentença: se sobrevivesse, o que parecia muito difícil, ele passaria a habitar outro mundo, um mundo distante, imóvel e silencioso. Mas qualquer que fosse o caminho, seu irmão Rogério, com a arte à flor da pele, aguardaria o retorno do irmão tatuando infinitas telas cheias de vida.
Quem também remodelou sua vida na espera, foi a mãe do Marcos, que chegou a receber o seguinte conselho: “deixe ele ir embora, vai ser melhor.”  Mas as mães não entendem certos recados e rebateu: “ir embora para onde?  Para casa?”  E diante de um suspiro médico, ela pediu perdão por suas descrenças e deu para rezar. Rezar a cada instante, como um vício, como uma mania que lhe encobria a voz e o pensamento.  Penelopeando-se toda, passou a desfiar suas falas com seu Deus e com seu Marcos por dias e noites.  E completa de vozes, gestou seu filho novamente.
E um marcos-novo-marcos-mesmo foi crescendo.  Seus movimentos começaram a se multiplicar para explorar os sentidos. Seus e os do mundo que o aguardava.   Tal qual a gestação (que foi longa), seu segundo parto também foi trabalhoso.  Horas e horas, dias e dias, meses e meses.  Até que ele foi regerado.  E renasceu.
E sua mãe sorriu para sua cria.
Mais uma vez.

Ilustração: Erasmo Spadotto – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 30/8 e 13/9/2015



sábado, 15 de agosto de 2015

Fuga de amor

(caio silveira ramos)

Ele já tinha me falado há um mês.  E sua fala vinha acompanhada de todas as regularizações verbais possíveis e lógicas, pois assim se constrói o falante: “se você não sesse meu pai, eu ia fugir para encontrar você”.
Mas dessa vez a frase veio escrita à mão em um cartão de Dia dos Pais. A professora disse para as crianças não escreverem somente infinitos “te-amos”. E íntimo das letras desde que suas mãos ainda ajudavam nas caminhadas pela casa, ele não precisou de sugestões e auxílios para continuar seu texto: de seu lápis solitário, o verbo renasceu com todas as suas irregularidades, afinal, “ele já fez sete anos” e para escrever tentou se vestir com algumas poucas normas da Língua que o enrodilhará pela vida afora:

Papai, te amo! Te adoro!
E também seus gols são muito belos
Se eu tivesse outro pai eu ia fugir para achar você.
João Pedro

Me deliciei com o sentimento, com a ideia, com o poema: o ser amado, mais que obrigatório, escolhido.  A possibilidade de uma existência paralela onde o destino é recusado. A transgressão apaixonada da fuga na busca do único amor possível. E a vocação inata para tragédia (e ainda shakespeariana): no mesmo texto, Hamlet, Romeu e Julieta.
Ao reler o cartão na frente dele, o pequeno pareceu se emocionar.  E seu olhar se tingiu de transparências. Mas logo disfarçou, saiu correndo pela sala em seu futebol imaginário, locutor-jogador-e-bola nas mesmas pernas e gargantas apaixonadas.
E eu saí para o trabalho, vendo o menino alardear um de seus bordões: “olha aí!”, enquanto a bola cruzava a porta da cozinha estufando a rede de sonhos (e quase atingindo um vaso de flores).
E eu saí para o trabalho. Orgulhoso por saber que pelo menos um dos meus gols era realmente belo.

Cartão original - autor: João Pedro




Ilustração: Erasmo Spadotto – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 14/8/2015





O canto da bruxa

(caio silveira ramos)

Quando nasci, um anjo torto desses que vivem de sombra e água fresca resolveu fazer cosquinhas na cabeça da minha irmã Raquel, que deu para cismar que já não era mais a pituquinha do pai. Na verdade, nada mudou muito na família, a não ser pelos cuidados normais que um bebê recém-nascido provoca numa casa que já tem três meninas de 4, 6 e 8 anos.  Mas passado tanto tempo, Raquel se culpa profundamente por coisas que toma hoje como grandes maldades que teria feito comigo para tentar recuperar seu reinado.   Eu acho muita graça nessas lembranças, assim como me divertia com tudo que ela fazia na época.
Me divertia com tudo... Pensando bem, menos com uma coisa.
Raquel devia ter cerca de oito anos quando ganhou dois “Discões”.   O tal “Discão” era uma reunião, num mesmo LP de doze polegadas, de várias histórias da clássica “Coleção Disquinho”.  Produzida pela gravadora Continental, a Coleção apresentava, numa série de compactos coloridos, fábulas e contos de fada narrados por meio de textos recheados de rimas e de canções ricamente orquestradas que se tornaram muito populares nas décadas de 1960 e 1970.
Pois num daqueles LPs, Raquel descobriu esfregando as mãozinhas, que a história d’ “A bela adormecida” me botava um medo de tapar os ouvidos e implorar: “tira, tira, tira isso!”
A questão toda não estava na história em si, mas na bruxa que aparecia logo no começo jogando a maldição do sono eterno sobre a princesa ainda bebê. E depois, lá pelo meio do disco, ainda cantava a terrível “Canção da velha fiandeira” – “lalilalá-lilalá-lilalá, girando, girando, não paro de girar, trabalho, cantando, na roda de fiar” –, que atraía a jovem princesa para espetar seu dedo no fuso da roca e dormir por cem anos.
Eu já tinha pavor de bruxas, mesmo antes daquele disco.   Pelo que lembro, todas as vezes em que voei para o meio da cama dos meus pais durante a madrugada, a causa foi sempre a mesma: os terríveis pesadelos com bruxas. E bruxas antropófagas.
Talvez só Freud possa explicar esses meus terríveis sonhos de infância com bruxas tentando me devorar.  Só Freud. E talvez uma amiga de Dona Marica, que de vez em quando aparecia para ajudar a passar roupa e contar tenebrosos contos de bruxas para a molecada.   Não, a culpa não é dela: eu já tinha pesadelos com bruxas antes. Ela só me deu um empurrãozinho para dentro da casa de doces e me emprestou o ossinho de frango para tentar iludir a faminta feiticeira. Bem, talvez a culpa seja dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm. Mas só Freud mesmo pode explicar.
A bruxa do desenho de Walt Disney era má, mas tinha estilo e certa beleza exótica.  No filme “Malévola”, ela se mostra ainda mais bela, afinal é interpretada por Angelina Jolie, que se estivesse menos magra estaria ainda mais estonteante.  Mas, ah, me desculpe, ela é no fundo boa e injustiçada.  Bruxa tem que ser bruxa, e aquela do disco da Raquel, só pela voz, já diz para que veio.  Ela é irresistivelmente má e sarcástica.  E deve ser velhíssima, muito feia e cruel. E com um rancor medonho que já se revela na fala inicial: “não me convidaram, no entanto eu vim. Mesmo assim”.
Raquel percebeu meu “glup”, assim que ouvi aquela frase. E lá pelo meio do disco, enquanto a voz do canto da bruxa crescia na medida em que a jovem princesa se aproximava do porão, eu ia parar embaixo da escrivaninha do meu pai. E minha irmã descobria que tinha o poder.
E que dali em diante, estava de novo no comando.

***
Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha foi um grande compositor da música brasileira.    Quando formou o “Bando de Tangarás” com Noel Rosa, Almirante, Henrique Brito e Alvinho, passou a adotar também o pseudônimo “João de Barro”.   Mas qualquer que fosse o nome usado, ele não abria mão do talento criador, tanto que, além de escrever a letra de “Carinhoso” para a melodia de Pixinguinha, foi um dos reis das marchinhas de São João e de Carnaval (com seu estilo “antropofágico-pré-tropicalista”), e também precursor da Bossa Nova.  Sozinho ou com parceiros, compôs clássicos do calibre de “As pastorinhas” (com Noel), “Copacabana” “Balancê”, “Touradas em Madri”, “Yes, nós temos bananas”, “Chiquita Bacana”, “Capelinha de Melão” (as seis com Alberto Ribeiro), “A saudade mata a gente” (com Antonio Almeida), “Pirata da perna de pau”, “Vai com jeito” e muitos outros.  
Quando o longa-metragem de Walt Disney “Branca de Neve e os sete anões” chegou ao Brasil, Braguinha participou ativamente da dublagem e também compôs as letras em português.  O mesmo aconteceu com outras produções da Disney como “Pinóquio”, “Dumbo” e “Bambi”.   Assim, não é de se espantar que ele estivesse à frente da produção da “Coleção Disquinho”, da gravadora Continental, na década de 1960.    Além de adaptar alguns dos mais fantásticos contos infantis de todos os tempos, ele compôs várias canções para aquelas histórias, o que imprimiu à série um sabor gostosamente brasileiro (e novamente “antropofágico”). Só para lembrar, são dele as canções “Pela estrada” (“pela estrada fora eu vou bem sozinha, levar esses doces para a vovozinha”) e “Lobo mau” (“eu sou o lobo mau, lobo mau, lobo mau, eu pego as criancinhas pra fazer mingau”), de “Chapeuzinho Vermelho”.  Canções tão enraizadas na nossa imaginação, que até nos parecem hoje de autoria desconhecida e popular.
Além de escrever, adaptar e compor, Braguinha conseguiu atrair para a “Coleção Disquinho” gente talentosa de todas as áreas: dubladores, narradores (principalmente narradoras, como Sônia Barreto, Simone Moraes e Nely Martins), orquestras, compositores, autores, roteiristas, todos de primeira linha.  Para se ter uma ideia, as músicas receberam arranjos e regências dos míticos Radamés Gnattali, Francisco Mignoni e Severino Araújo.
Entre os bambas escalados por Braguinha, estava a professora de música, compositora e escritora Elza Fiuza.   E foi Elza quem adaptou para o “disquinho colorido”, “A bela adormecida”.  E foi Elza quem criou os diálogos todos para aquela história. Inclusive as terríveis falas da bruxa e a canção da velha fiandeira que tanto teimavam em frequentar meus pesadelos.
Estranhamente, porém, de tanto minha irmã Raquel colocar o disco para rodar na vitrola, fui perdendo o medo de bruxas e daquela faixa.  E fui, sem saber por que, me apaixonando por aquela canção anteriormente tão assustadora.
Muitos anos depois, enfeitiçado pela voz de Clementina de Jesus, compreendi meu fascínio por aquela música.
E descobri que havia muitas outras bruxas em meu caminho.

***
Trabalhei durante dez anos com F. Baruq e, apesar dos angelicais olhos azuis, ela é daquelas que perde o amigo (e qualquer parente), mas não perde a piada.  Por ser um dos seus alvos preferidos – ela não perdoa qualquer deslize do meu daltonismo – acho que F. Baruq gosta de mim como de um parente próximo.  Daí porque não sei o que me deu na cabeça de contar a ela a história dos temores profundos que eu sentia quando minha irmã Raquel colocava para rodar na vitrola a cantiga da velha fiandeira “interpretada” pela bruxa do disquinho d’“A Bela Adormecida”: “fiando, fiando não paro de fiar...”. 
Pois F. Baruq arranjou a gravação em meio digital e passou a repetir a cantiga sempre que uma oportunidade surgia. E mesmo quando não tinha a gravação por perto, cantava para me provocar, “fiando, fiando”, ainda que tenha descoberto que o correto era “girando, girando, não paro de girar”.  Para entrar na brincadeira, eu recriava meus medos antigos e quase me metia embaixo da primeira mesa que aparecesse.  A palavra “fiando” virou entre nós um verdadeiro código de falsas ameaças e zombarias inocentes.  E o auge da brincadeira aconteceu em um 31 de outubro, durante o aniversário de uma amiga: quando entrei no apartamento em que ocorria a festa, F.Baruq e outra colega, ambas usando vistosos chapéus de bruxa, entoaram “fiando, fiando” entre risos e letras alteradas cheias de graça. Mais uma vez entrei na brincadeira e simulei sustos e traumas. Mas a verdade é que há muito tempo eu não temia mais a música. Pelo contrário: sentia uma profunda emoção ao ouvi-la.
Desde menino eu conhecia a figura de Clementina de Jesus, mas foi somente durante minhas peregrinações pelos sebos de discos, nos intervalos das aulas de Direito, que me dei conta da sua grandeza.  Quando encontrei o LP “Clementina de Jesus”, de 1966, entre tantos deslumbramentos – começando pela capa –, me encantei com a singeleza de um cântico folclórico natalino de pastoril chamado “Vinde, vinde companheiros”.   O “laialaiá” da “Rainha Quelé” se iniciava ao longe, como que chamando docemente os pastores e as pastoras. E o canto crescia, crescia, ainda muito doce, como se todos se aproximassem ternamente para ver o Menino nascido.
Emocionado, me veio de repente outro laialaiá distante, que foi chegando, chegando sem medo.  Intrigado, me dei conta que quem se avizinhava era aquela antiga canção da bruxa de “A Bela Adormecida”, que também se iniciava com uma voz envelhecida e distante. E que depois crescia e atraía a princesa para os porões do palácio.  Mas o canto que agora chegava e me tomava pela mão e pelos ouvidos nem de bruxa mais era. Era um “canto de trabalho” entoado por uma velha fiandeira de um Brasil rural e profundo, semelhante a tantos outros cantos espalhados por Clementina. Vozes velhas, distantes, embolando aspereza, doçura e encantamentos:

Girando, girando
Não paro de girar
Trabalho, cantando,
Na roda de fiar

A velha fiandeira
Trabalha sossegada
A noite inteira
Na roda encantada

Girando, girando...

E girando, girando, aquela cantiga não vinha mais até mim nascida dos porões de um palácio de uma Europa medieval.  Girando, girando, o canto da velha fiandeira - criado pela sabedoria dos ouvidos e da imaginação de Elza Fiuza – se misturava à voz sagrada de brandura e desespero de Rainha Quelé e brotava de outros porões, de outros pesadelos, de medos e pavores concretos gravados na carne. Aquelas vozes envelhecidas e torturadas revelavam um país gestado nos porões dos navios negreiros, onde as bruxas eram os próprios homens. Onde não apenas as pontas dos dedos eram feridas, mas o corpo todo.
Onde o sono se chamava morte.
Ou um pesadelo que durou muito mais que cem anos.


Ilustração: Erasmo Spadotto – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em  3, 17 e 31/7/2015


sábado, 20 de junho de 2015

Zorro, Pitanga e as coisas boas da vida

(caio silveira ramos)

Achei que ainda estava sonhando, mas elas estavam ali sobre a cadeira da copa: uma máscara e uma capa pretas.  Minha mãe tinha costurado escondido enquanto eu dormia e agora eu podia salvar o mundo.  A máscara se ajustava facilmente com o lastex.  A capa se fechava com um laço também preto, mas minha mãe tinha camuflado um botão de pressão para que Zorro pudesse facilmente voltar a ser Dom Diego e escapar do Sargento Garcia sem ser descoberto.  
Peguei o velho chapéu de feltro do Vô Sylvio, montei no cavalinho de pau com roda e cabeça de plástico, tirei da bainha laranja a espada azul, e finalmente fiquei pronto. Zorro ficou pronto.  Pronto para enfrentar os tiranos. 
Eu era fascinado pelo Zorro e não perdia um capítulo da série da Disney feita no final da década de 1950 (que, para minha sorte, era reprisada ali no meio da década de 1970).  A abertura com o ator Guy Williams – também famoso como Professor Robinson, “o pai de Perdidos no Espaço” - andando pelos telhados e empinando seu cavalo sob o luar, vivia pulando para dentro dos meus sonhos.  E no dia seguinte, eu já acordava pronto para montar em Tornado e sair pelo mundo tirando dos ricos para dar aos pobres.
Só que Tornado perdeu a roda e foi ficando pequeno para mim.  Rodinhos e cabos de vassoura não eram a mesma coisa.  E eu começava a correr o risco de assobiar e Tornado já não aparecer para minha fuga.
A coisa piorou quando eu andei num cavalo de verdade. Eu tinha uns oito anos, o sol ainda estava nascendo e só por me aproximar do pangarezinho, meu coração disparou ligeiro. Mas foi só o coração que disparou, porque o cavalo era manso e paciente.  Já tio Nelico não era muito: quando me viu segurando a rédea com as duas mãos, pegou firme na correia, dobrou-a ao meio, agarrou minha mão direita com sua delicadeza habitual e disse docemente: “viu muito filme americano: caipira segura assim, fio-de-um-burro!”.  Não sei se de emoção ou de medo, mesmo sendo o cavalinho manso, disfarçadamente usei a mão esquerda livre para segurar o santoantônio da sela.  Mas aos poucos, o bicho foi me amansando: a ventania da crina cutucando meu rosto, o pelo curto roçando carinhoso a palma da minha mão, a segurança do lombo me aninhando as pernas em arco.  O trote suave fazendo os couros da sela chiarem roque-roque no meu ouvido.
Segurando a rédea de Tornando com uma só mão, o zorro caipira se iluminou de sol.
E sem medo, saiu pelo mundo para enfrentar os tiranos.

***

Tio Hélio tinha sido agricolão famoso, conhecido como Soscândio.  Mas agora, até para muitos da família, ele era o “Doutor Hélio”, amante a tal ponto de cada grão germinado no seu sítio em Cândido Mota, que, seguindo sua lida e paixão, dos nove filhos que ele e tia Lia tiveram, cinco atravessaram o Estado para estudar na ESALQ. 
Naquele dia, tio Hélio atravessou também o Estado para acompanhar a formatura de um daqueles filhos ou participar de algum almoço de antigos alunos.  Eu brincava no chão da sala, quando ele perguntou: “é você que gosta de cavalos? Se for me visitar no sítio, eu arranjo um para você”.
O vozeirão, os quase dois metros do tio e a oferta me gaguejaram a fala e as ideias. Balancei a cabeça sim-sim e desandei a sonhar sem sono.  Quando tia Lia voltou dali a dois meses, disse que o tio tinha mandado perguntar quando eu iria tomar posse da eguinha. “Eguinha?”, me encantei, e a tia já me aumentou o feitiço, desenhando o ar com sua fala cheia de música enroscada de erres açucarados: “uma bretãzinha linda, vermelha, muito especial. Você precisa ver que graça”. 
Meu mundo se encarnou a partir daquele momento. Desandei a inventar nomes: “Relâmpago”, “Fogo”, “Raio”? Não, não, tudo muito masculino. “Trovoada”, “Faísca” não eram bons. “Estrela” era nome de vaca leiteira ou puxadeira de carro.  Mas quando comecei com nomes em inglês que pretendiam revelar a velocidade, a bravura ou a cor da eguinha sonhada, meu pai opinou: “acho que tem que ser um nome mais caipira, que lembre terra, cheiro de mato, roça”. Torci o nariz para a ideia e para as sugestões. Mas quando ele falou “Pitanga”, o suco do nome escorregou doce pelos meus ouvidos.
E Pitanga entrou em todos os meus filmes sonhados. Era Tornado, Silver.  Era Pégaso voando comigo pelo pátio da casa. No pátio, claro! Ela poderia viver ali, por que não?  Seu João Verdureiro não subia a Moraes Barros, poque-poque, com seu cavalinho puxando a carroça com os olhos embitolados, parando de casa em casa?  Pitanga também moraria na cidade.
                   Nas férias de julho, montamos nossa Brasília branca e fomos, eu e meu pai, em direção à Paraguaçu-Paulista, Assis e Cândido Mota: além da eguinha, vários parentes moravam naquelas bandas.   No caminho, ele tentou me dizer que um cavalo bretão servia mais para tração que montaria, mas eu só estava preocupado em perguntar a cada quinze minutos se faltava pouco para chegar.  E pacientemente meu pai dizia que sim.
                   No sítio do tio Hélio, catei noz-pecã e plantei uma árvore: o tio fazia questão que cada visitante cultivasse uma, e de todas, ele conhecia o nome científico, a função na natureza e, mesmo no futuro, o plantador. Depois, me abriguei na famosa casa feita de bambu-açu, que já tinha aparecido até no “Globo Rural”, descobri a acerola e tomei seu suco bem gelado, feito na hora pelo tio, que amassava a fruta com um vidro vazio de Nescafé. E ainda comi muita carambola verde graças ao meu daltonismo.
Por fim, descobri que minha eguinha já tinha nome.
Já tinha nome:
Ameriquinha.

***
Pitanga não era Pitanga. Era Ameriquinha.  Mas havia um motivo.
No sítio, os animais não eram amansados depois de crescidos: tio Hélio tinha trazido um método de doma americano, que pretendia acostumar os cavalos, desde pequenos, a celas, arreios e baixeiros, adaptados gradualmente ao tamanho dos animais.  Além disso, o tio tinha implantado um sistema que rapidamente o informava sobre a idade dos bichos, o que facilitava o controle da saúde da manada.  Ele estipulou um determinado ano como o “Ano A” e todos os bichos nascidos naquele período tiveram seus nomes iniciados com essa letra.  O ano seguinte foi o “B” e os animais nascidos nesse tempo tiveram tal letra como a primeira de seus apelidos. E assim por diante.  Só de ver um cavalo com determinado nome, tio Hélio já sabia a sua idade, se já tinha tomado os remédios e as vacinas, e se ainda podia continuar na lida.
Nascida no ano “A”, a égua América não negava a raça bretã: era gigante, vermelha e forte, uma verdadeira lenda no sítio. Por ser filha de América e nascida numa nova sequência de anos “A,B,C,D”, sua filha foi apelidada de Ameriquinha, devendo permanecer com esse nome pelos métodos racionais de administração do sítio. Havia uma lógica, e conformado, guardei o nome “Pitanga” dentro do bolso da camisa.
Antes de chegarmos ao estábulo, demos uma volta pelo sítio: tio Hélio era cavaleiro experiente e meu pai, menino de roça, parecia ter nascido em cima de um cavalo. Já eu, sacolejava para um lado e para o outro feito um fardo de batata.  O bicho, matreiro, percebeu que em seu lombo montava um caipira de asfalto.  E começou com suas malandragens: saía do caminho, raspava a lateral (e as minhas pernas) nas cercas que ladeavam a estradinha e passava de propósito no meio dos galhos mais baixos.  Eu puxava, acarinhava, conversava e ele parecia rir de mim. Perto da casa de bambu-açu, enquanto meu pai e meu tio apeavam com estilo, ele entrou pelo meio de um limoeiro grande e eu me arranhei todo.  Ninguém percebeu, consegui (a muito custo) escapar dos espinhos e, todo estropiado, entrei na casa sem um pio, mesmo que em pensamento praguejasse contra o tal método americano de doma.  E o danado do cavalo parecia continuar a rir de mim. Não, não parecia. Acho que ele ria mesmo.
Mas ele não deve ter rido quando me encontrei com a eguinha. Vi de longe, vermelhinha como eu tinha sonhado. E ela, além dos sonhos, tinha uma faixa branca adornando o focinho mimoso. Meu pai fotografou a bichinha ao lado de um cavalo branco. Depois, ela ao lado do tio. Então, finalmente entrei no cercado, com minha bota vermelha de borracha que eu usava para brincar de Super-Homem. Um cuidador da fazenda apareceu e a segurou com um laço feito de corda grossa para que eu me aproximasse sem susto. 
E eu estou lá na foto antiga, passando a mão esquerda com cuidado pela faixa branca do focinho da eguinha.
Não consigo me lembrar direito desse momento.  Me recordo do dia, do cheiro do sítio, do gosto do suco de acerola, dos arranhões do limoeiro, mas daquele instante, não me lembro bem. Sei que estive lá: a foto revela. Porém, vejo como quem vê de fora. Assim, distante.
Mas agora consigo me lembrar: estou lá, com minhas botas vermelhas de Super-Homem. Estou perto dela. O cuidador está do outro lado, segurando-a pelo laço para que ela não se assuste comigo. Eu acarinho o pescoço dela, amacio as mãos na crina vermelha como a terra daquele lugar.  Depois, quase sem tocar, passeio a ponta dos dedos na faixa branca: para cima e para baixo, sentindo a resistência serena dos pelos daquele focinho mimoso.
E me aproximando do ouvido da eguinha, sussurro cheio de doçura:
Pitanga, Pitanga, Pitanga...

***
Retornei exultante daquelas férias, mesmo não voltando para Piracicaba montado na eguinha Pitanga.  No fundo, sabia que a história de ganhar um cavalo de presente era mais um pretexto inventado pelo tio Hélio para que eu o visitasse nas férias. Mas a foto estava lá, quase viva, em um porta-retrato que coloquei ao lado da minha cama. E na foto estava Pitanga. E na foto, eu estava ao lado dela, com a mão acarinhando a faixa branca que escorria pelo seu focinho.
De tão feliz, dei para enumerar na cachola todas as coisas boas que estavam brotando na minha vida.  E cada vez que pensava em cada uma delas, me vinha um frio na barriga tão bom, que dei para desfiá-las em pensamento a toda hora.   Desfiava andando de bicicleta no quintal ou jogando bola no pátio de casa; desfiava caminhando com meu pai até a Escola Agrícola.  E também enquanto tomava garapa na volta para casa. E aguardando meu sorvete de limão na Paris.  E entre um acorde e outro, tocando violão para minha mãe quando ela fazia pão.   Ou observando a bolinha subir no copo com água, avisando que a massa já tinha crescido e podia ir para o forno.
As coisas eram tantas e tão boas, que às vezes me esquecia de uma ou outra.  Com medo de que o frio na barriga se perdesse, passei a anotar nos dias já esquecidos de uma agenda velha, listas para recordar quando precisasse.  Uma delas era mais ou menos assim:
- Pitanga
- nasceram dois peixes no aquário
- a bola de capotão voltou do telhado (um pedreiro subiu e encontrou)
- aprendi a tocar Carinhoso no violão
- o Palmeiras ganhou o campeonato de futebol de salão 
- li Os Doze Trabalhos de Hércules do Monteiro Lobato em três volumes emprestados pela tia Zette.
Já adolescente, fui visitar tio Hélio no seu sítio.  Reencontrei a casa de bambu-açu, tomei suco de acerola, comi carambola verde.  Mas não vi a eguinha Pitanga.  Tio Hélio já devia ter se esquecido da história e eu acabei não comentando nada com ninguém. Disfarçadamente, no entanto, cada animal que avistava, eu tentava encontrar a cor de Pitanga se misturando com o pasto, com as cercas, com os caminhos. Mas parecia que ela tinha se desmanchado no céu entardecido ou na terra que grudava grossa na sola de cada bota.
Ontem, porém, enquanto apertava o nó da gravata, pela janela avistei uma Pitanga madura estacionada no meio-fio. Assobiei, ela me fez um aceno com a cabeça me convidando para um passeio, mas resolvi não montá-la pulando do 17º andar.
Desci, cumprimentei o porteiro, saí do prédio e ela ainda estava lá me esperando: os pelos ainda vermelhos estavam um pouco falhos aqui e ali. Uma brancura suave morava na ponta dos cílios compridos.  Mas o cheiro bom ainda era o mesmo. 
Cachoeirei os dedos pela faixa branca do focinho e ela me inclinou a cabeça.  Sussurrei manso no seu ouvido “Pi-tan-ga”  - como sugere a poeta-amazona Marina Mendes –, e fomos caminhando lado a lado pela rua cheia de carros.  Tal qual um filme do Trinity, dividimos um sanduíche e conversamos sobre o tempo velho, o tempo novo, o tempo-tempo.  E me dei conta de que tudo aquilo que eu fazia distraidamente enquanto enumerava na cabeça “as coisas boas da vida”, lá na década de 1980, gerava um frio na barriga ainda maior que aqueles itens que acabaram anotados na agenda. Bom mesmo, de verdade, era andar de bicicleta, jogar bola, caminhar com meu pai até a Escola Agrícola, tomar garapa na volta para casa, aguardar meu sorvete de limão na Paris, tocar violão para minha mãe enquanto ela fazia pão. E até observar a bolinha subir no copo com água, avisando que a massa já tinha crescido e podia ir para o forno. 
E me dei conta ainda que, tão bom quanto um dia ter fingido ser dono de um cavalo vermelho, era sonhar eternamente com uma eguinha chamada Pitanga.
Pi-tan-ga.
E o caldo suave da fruta me escorreu manso pelo pensamento.

Ilustração: Erasmo Spadotto e Maria Luziano – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 8 e 22/5 e 5 e 19/6/2015