(caio silveira ramos)
Recebemos em
casa, por uma semana, a Maleta Literária Viajante do colégio do pequeno. Junto com a Maleta – recheada de livros e
revistas para adultos e crianças compartilharem os prazeres da leitura - veio a
mascote da classe, um coelho de pelúcia azul, com orelhas caídas, que a turma
resolveu chamar de Fofinho.
Para que a
semana ficasse mais risonha, resolvemos tornar a estadia do Fofinho mais
emocionante, deixando que ele participasse ativamente da vida familiar. Sentindo-se muito à vontade, Fofinho decidiu
se espalhar: assumiu o controle remoto e acompanhou o futebol, telefonou para a
avó, subiu na cristaleira e quase se estabacou no chão junto com os copos,
invadiu a despensa, abriu a geladeira, ganhou uma partida de xadrez do macaco
João Pipoca, quase pegou um pênalti batido pelo João Pedro (mas a bola foi no
ângulo e ele acabou não alcançando: vale conferir as fotos do jornal do dia
seguinte), paquerou a boneca Tina e foi visto na companhia do Polvo Louco. Não
sei se cismou comigo, mas usou meus chinelos, assoprou as velinhas do bolo do
meu aniversário e atacou meu ovo de Páscoa.
Só que depois de tudo, teve dor de barriga e de dente (chegando a
amarrar um lenço na cabeça), e um febrão que só abaixou depois de uma injeção
danada de doída.
No dia em que eu
e Fofinho fizemos as pazes, resolvi ajudá-lo numa partida de “Lig-4” (uma
espécie de “jogo de trilha” disputado na vertical, só que, como o próprio nome
diz, com o objetivo de formar uma linha de... quatro peças). Eu sempre fui fascinado pelo “Lig-4” desde
que o meu amigo Nando Boscariol ganhou o tal jogo de presente em um Natal lá da
década de 1970. E agora, muitos anos
depois, eu e Fofinho enfrentávamos João Pedro numa partida emocionante.
E eu e a mascote
perdemos. E perdemos outra, e outra, e outra. Deixei o Fofinho de lado,
esfreguei as mãos e resolvi encarar meu adversário de frente. Resultado: de
onze partidas, eu (com ou sem a mascote) perdi dez. E ganhei apenas uma.
Ainda muito
pequeno, João Pedro aprendeu os movimentos das peças do xadrez. Para
incentivá-lo, muitas vezes deixei minha dama ser devorada por peões implacáveis
ou bispos famintos, e coloquei meu rei em armadilhas sem saída. No futebol,
perdi centenas de partidas, chegando atrasado na bola para que ele pudesse
comemorar mais um gol.
Mas agora,
naquele jogo novo, eu me via perdendo sem artifícios: meu filho de seis anos me
encurralava de todos os lados e me deixava sem rumo, forçando meus erros e meus
fracassos.
Como nas
derrotas anteriores, mostrei um desalento cômico com a minha
incompetência. Mas agora ficava difícil
esconder minha alegria.
Ali, na minha
frente, descobri não mais o menino que precisava de ajudas camufladas para
vencer seus desafios. Estava ali, um companheiro esperto e feliz, um amigo com
quem eu podia brincar, jogar, me divertir de igual para igual. Alguém que crescia, enquanto eu me tornava
menino de novo.
Sem qualquer esforço, perdi, perdi e
perdi mais e mais partidas.
Continuo perdendo.
E me embriago
feliz com o doce sabor da derrota.
Ilustração: Maria Luziano – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 24/4/2015
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