É fácil chegar: com apenas algumas
teclas e uns poucos cliques, encontramos no mapa virtual a rua Algemiro Coelho
Ramos. Perdida, longe do centro, uma quadra só.
Mergulhando na tela, a rua
sai do mapa e se mostra inteira. É possível passear por seus poucos metros:
casas simples, sem cadeiras na calçada e reboco nos muros. Carros
velhos, bicicletas, crianças magrelinhas, uma cerca de tábuas mal-ajambradas,
um vira-lata mal-ajambrado. Rabiscado no asfalto esquecido e cheio de remendos,
um jogo de amarelinha quase apagado, mas onde ainda dá para ver o
céu. No fim da rua, um terreno desleixado, o mato crescendo sem dó.
Alguém pergunta: por que ele não é nome
de avenida grande, cruzando a cidade, rememorado em cada
esquina? Outro já se espanta: mas professor amado como era, amante
sem fim que foi da educação pública, por que não denomina escola estadual ou
municipal? Sorrio: talvez ele preferisse aquela rua pequena e humilde
longe do centro. Aquele quase beco manuelbanderino, mas com alguma saída. Ainda
que nela se perca um terreno baldio.
Não. Na verdade nem isso. Ele
era avesso a esse tipo de homenagem, rapapés vazios, forma sem conteúdo. Do que
adiantaria denominar uma avenida, se nas esquinas continuassem a gravitar
famílias sem rosto, sem voz e sem identidade? Do que valeria ter seu nome
estampado na frente de uma escola, se lá dentro os professores continuassem a
se equilibrar sobre os vencimentos mendigados, se despreparando a cada dia? Se
a educação não transfigurasse o caminho de alunos sem voz ativa, de sujeitos
inexistentes e indeterminados?
No final da década de 70, em uma época
em que a democracia se achava em perigo, por ela aceitou o cargo de Coordenador
da Ação Cultural sob duas condições: que ficaria apenas por um ano e que teria
total liberdade de trabalho, isto é, sem influências de politicagens. E assim
foi feito: casa e contas em ordem, a arte aberta aos estudantes, ao povo da
rua. O teatro iluminado pela música erudita e pelo cururu, um Salão de Humor
glorioso com Henfis e Glaucos: gaiolas abertas. E mesmo sob o choro
de funcionários, artistas e sonhadores, ele cumpriu sua promessa: depois
daquele ano inesquecível, pediu exoneração, pegou seu longo guarda-pó
branco, sua pasta de anotações de aulas cuidadosamente preparadas e, a pé,
retomou seu caminho em direção à escola, em um dos dias mais felizes de sua
vida. Voltou a ser passarinho semeador precioso de sua Língua e, por
meio dela, de sonhos de segunda à sexta. De manhã, de tarde e de noite.
Homem tantas vezes mergulhado em
profundos silêncios – penso que sofria do desespero da palavra transformadora
–, Homem tantas vezes mergulhado em profundos silêncios – penso que
sofria do desespero da palavra transformadora –, usava sua voz para ler
histórias cheias de ternura que faziam minhas irmãs chorar e os alunos
despertar para a vida. Pois foi isso que ele
fez, mas que não se encontra no Google: ele viveu de oferecer vida nova aos
seus milhares de alunos dentro das classes e, também fora delas, aos amigos,
camaradas, famintos, mendigos, renegados, excluídos (e claro, aos milhares de
alunos), que vinham nos intervalos das aulas ou nas tardes e noites de sábado
para aprender (ainda mais), conversar, pedir conselhos, emprestar um livro,
viajar com ele por revistas de geografia e história. Eles vinham. Vinham aprender
a sonhar.
Pois seu milagre não foi apenas o de,
com salário de professor, seu e da amada, formar quatro filhos e dar-lhes o
sentido da liberdade. Ele ensinou, a todos que precisaram, o
milagre da multiplicação de sonhos. Milhares de sonhos, milhares de vidas
ressuscitadas.
Nem avenidas
largas, nem escolas de tijolo e ou de lata: fora do alcance dos sites de
busca, mas dentro do peito de milhares, multiplicado, Algemiro Coelho Ramos é
simplesmente um atalho.
Pequeno
atalho entre o coração e o sonho realizado.
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