(caio silveira
ramos)
Certo dia, o Vô Sylvio apareceu
com uma cabritinha branca lá na casa da rua Prudente. Quem deu falou que era para a ceia do
Natal. Mas a criançada se afeiçoou de
tal forma à bichinha, que quando o Natal chegou ninguém teve coragem de mandar
abater a cabrita. A Jandyrinha, que era quem mais gostava de planta e de bicho,
quando soube que o presente não era de estimação, mas para refeição, abriu um
berreiro tão grande que a dona Dedé, que morava na esquina, deu permissão à
menina para entrar todo dia no seu quintal e cortar capim para alimentar a
cabritinha. Desde então, Jandyrinha e Branquinha se tornaram inseparáveis
companheiras de brinquedos e confidências.
Sobrevivendo às festas do fim de
ano, a cabrita se sentiu em casa de tal forma que, quando o Vô Sylvio chegava
do trabalho e se sentava em sua poltrona em frente ao rádio grande da sala para
ouvir notícias e novelas, ela empurrava a porta da cozinha, atravessava a casa
e se espichava no chão ao lado dele até a hora do jantar. Dizem que se
interessava particularmente pelas novelas de amor e mistério, mas isso pode ser
lenda.
O que não é lenda é que
Branquinha cresceu, virou uma beleza de cabra mocha e durante um bom tempo,
ordenhada pela própria Vó Jandyra, forneceu leite para a família. Senhora do quintal (mas sempre longe das
roupas penduradas na corda), Branquinha se entrosou perfeitamente bem com os
outros bichos da casa: Meg, uma destemida fox-terrier de pelo duro, presente de
um casal inglês que tinha morado em frente; Dunga, um fox meio vira-lata que
apareceu para ficar durante a viagem de uns vizinhos, mas que depois não quis
mais ir embora. E, lógico, os muitos pintinhos que passeavam fora do
galinheiro. Com esses Branquinha era
especialmente maternal: cuidadosa, ela se deitava de bruços para que os
bichinhos se instalassem em suas costas e, quando tinha certeza que todos
estavam bem seguros, saía pelo quintal desfilando feito trenzinho de passeio.
O Hélio, que por esse tempo já na
namorava a Lia, achava tanta graça na Jandyrinha brincando descalça no quintal
com a cabrita e os outros bichos, que arranjou um porquinho muito do danado
para a menina. Ela se encantou com o
novo companheiro que, como a Branquinha, tomava banho de regador. Parece que os dois bichos se deram até bem
(inclusive ele também deu para passear com os pintinhos nas costas), mas só a
cabritinha continuava com autorização para assistir ao rádio na sala. E ainda era a preferida da Jandyrinha.
Até que Vô Sylvio e Vó Jandyra
tiveram que se mudar para uma casa sem quintal na rua Treze. Não se sabe ao certo que destino tiveram os
pintinhos, Meg, Dunga, Branquinha e o porquinho (que nos últimos tempos já
tinha virado um cachaço bonachão).
Talvez, saídos de uma casa sempre
tão cheia de melodias, desfilem por aí, feitos os Músicos de Bremen. Na frente vai Branquinha, altiva, cheia de
orgulho, com os pintinhos aboletados em suas costas assobiando felizes uma
antiga canção de rádio-novela.
Ilustração: Erasmo Spadotto - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 7/1/2018
Publicado no Jornal de Piracicaba em 7/1/2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário
INFINITE-SE: