sexta-feira, 13 de julho de 2018

A cabra na sala


(caio silveira ramos)

Certo dia, o Vô Sylvio apareceu com uma cabritinha branca lá na casa da rua Prudente.  Quem deu falou que era para a ceia do Natal.   Mas a criançada se afeiçoou de tal forma à bichinha, que quando o Natal chegou ninguém teve coragem de mandar abater a cabrita. A Jandyrinha, que era quem mais gostava de planta e de bicho, quando soube que o presente não era de estimação, mas para refeição, abriu um berreiro tão grande que a dona Dedé, que morava na esquina, deu permissão à menina para entrar todo dia no seu quintal e cortar capim para alimentar a cabritinha. Desde então, Jandyrinha e Branquinha se tornaram inseparáveis companheiras de brinquedos e confidências. 

Sobrevivendo às festas do fim de ano, a cabrita se sentiu em casa de tal forma que, quando o Vô Sylvio chegava do trabalho e se sentava em sua poltrona em frente ao rádio grande da sala para ouvir notícias e novelas, ela empurrava a porta da cozinha, atravessava a casa e se espichava no chão ao lado dele até a hora do jantar. Dizem que se interessava particularmente pelas novelas de amor e mistério, mas isso pode ser lenda.
O que não é lenda é que Branquinha cresceu, virou uma beleza de cabra mocha e durante um bom tempo, ordenhada pela própria Vó Jandyra, forneceu leite para a família.   Senhora do quintal (mas sempre longe das roupas penduradas na corda), Branquinha se entrosou perfeitamente bem com os outros bichos da casa: Meg, uma destemida fox-terrier de pelo duro, presente de um casal inglês que tinha morado em frente; Dunga, um fox meio vira-lata que apareceu para ficar durante a viagem de uns vizinhos, mas que depois não quis mais ir embora. E, lógico, os muitos pintinhos que passeavam fora do galinheiro.  Com esses Branquinha era especialmente maternal: cuidadosa, ela se deitava de bruços para que os bichinhos se instalassem em suas costas e, quando tinha certeza que todos estavam bem seguros, saía pelo quintal desfilando feito trenzinho de passeio.
O Hélio, que por esse tempo já na namorava a Lia, achava tanta graça na Jandyrinha brincando descalça no quintal com a cabrita e os outros bichos, que arranjou um porquinho muito do danado para a menina.  Ela se encantou com o novo companheiro que, como a Branquinha, tomava banho de regador.   Parece que os dois bichos se deram até bem (inclusive ele também deu para passear com os pintinhos nas costas), mas só a cabritinha continuava com autorização para assistir ao rádio na sala.  E ainda era a preferida da Jandyrinha.
Até que Vô Sylvio e Vó Jandyra tiveram que se mudar para uma casa sem quintal na rua Treze.   Não se sabe ao certo que destino tiveram os pintinhos, Meg, Dunga, Branquinha e o porquinho (que nos últimos tempos já tinha virado um cachaço bonachão). 
Talvez, saídos de uma casa sempre tão cheia de melodias, desfilem por aí, feitos os Músicos de Bremen.  Na frente vai Branquinha, altiva, cheia de orgulho, com os pintinhos aboletados em suas costas assobiando felizes uma antiga canção de rádio-novela.

Ilustração: Erasmo Spadotto - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 7/1/2018

Nenhum comentário:

Postar um comentário

INFINITE-SE: