(Nota das
primeiras noites de acalanto: o texto a seguir foi escrito pouco antes do
nascimento do João Pedro, que resolveu dar o ar da sua graça (e estonteante
beleza, ora pois) no dia 18 de julho deste 2008. O número 18 parece ser extremamente
significativo para algumas religiões e seu Germano Mathias, que é ligado nessas
coisas, já lembrou que 1+8=9 e que “João Pedro” tem 9 letras...
Horas depois do
seu nascimento, no comecinho do dia 19 de julho de 2008, faleceu a atriz Dercy
Gonçalves: que ele seja alegre como ela e viva muitos e muitos anos, mas por
favor, não fale tantos palavrões, menino!
Certo que em um
18 de julho nasceu o craque Arthur Friedenreich (para quem Pixinguinha e
Benedito Lacerda compuseram o incrível choro Um a zero, o que me leva a crer
que o menino terá muita ginga, ora, ora) e em outros dias 18 de julho de
diferentes anos nasceram 3 vencedores do Prêmio Nobel (um de Física e outros
dois de Química). No entanto, por outro
lado, num dia 18 de julho parece que Nero botou fogo em Roma e em outro, Hitler
publicou Mein Kampf. Mas será outra a
luta de João Pedro, que não é desses e já detesta ditadores e pessoas com o ego
inflado: ele incendiará tudo com suas ideias para fazer do mundo um lugar
melhor para se viver e sonhar. Que Nelson Mandela – que nasceu num 18 de julho
–, e Padre Antonio Vieira – que faleceu num outro mais longínquo –, sejam
modelos para o menino. Modelos de que é possível revolucionar o mundo,
tornando-o muito melhor, por meio de ideias, da coragem, da força das palavras
e de muita arte. Salve João Pedro!).
Quando
buscávamos um nome para dar para nosso filho, muitos amigos sugeriram: “coloque
um que possa ser pronunciado fora do Brasil, um nome internacional: se ele for
estudar ou trabalhar no exterior, ninguém vai ter dificuldade de pronunciar o
nome dele”. Nem preciso dizer que esses amigos se espantaram quando dissemos
que o nome seria “João Pedro”. Vamos lá
para as razões:
A palavra “xibolete”, de acordo com o Dicionário Houaiss,
significa “sinal convencionado de identificação; senha” (Rio de Janeiro,
Objetiva, 2001). De acordo com o mesmo
Dicionário, a palavra vem do hebraico “shiboleth” (espiga), através de cuja
pronúncia os soldados de Jefté, um juiz de Israel (sXII a.C.), identificavam
seus inimgos efraimitas, que a articulavam como “siboleth”, já que não
conseguiam pronunciar palavras com som de “x”. Deonísio da Silva, escritor e
professor, completa a lição indagando: “quais seriam os xiboletes, não de
alguns falantes da língua portuguesa, mas de todos?” Ele mesmo responde: “o
principal é o ‘ão’. O português é a língua do ‘ão’”.
Eruditismos à
parte, para quem conhece o pai do João Pedro, sabe que ele é apaixonado pelo
seu país, por música e pela Língua Portuguesa. E espera que seu menino cultive
também essas paixões. Assim, João Pedro
levará no seu próprio nome a identificação com sua língua (um indiscutível e
sonoro “ão”) e o reflexo do amor de seus pais por ela. Para quem acha que existem por aí muitos
Joões e Pedros ruins, verdadeiros Joões bobos, pode anotar que o nome do
pequeno não foi inspirado neles. E nem será neles que João Pedro se
inspirará.
Embora “João Pedro”
contenha os prenomes de três representantes da família real luso-brasileira,
não foi por causa deles que o menino foi assim chamado. Está certo que D. João
VI deu um espetacular “chapéu” em Napoleão Bonaparte (isso reconhecido pelo
próprio), e o nosso pequeno precisará ter muito jogo de cintura para se livrar
dos “zagueiros” mais truculentos; está certo também que D. Pedro I era um
sujeito corajoso e apaixonado, e o menino não deve ter medo de se apaixonar
perdidamente; por fim, não se pode negar que D. Pedro II era um imperador
amante do conhecimento, da leitura, das artes e da cultura, e o nosso João
Pedro deve valorizar tudo isso, muito acima de qualquer outro tipo de
riqueza. No entanto, convenhamos, não
só por ser de uma família de históricos opositores da Monarquia, mas que João
Pedro ame e entenda toda beleza da palavra “República”, pois seu sentido vai
muito além da acepção política. Que ele paute sua vida por um comportamento
republicano, nunca confundindo o que é público com o que é privado, e que
sempre, sempre lute por aquilo que é bom para todos que vivem em seu país e no
mundo.
E para quem
pensa que o sonoro nome “João” é uma maldade com o menino, caso ele queira
estudar ou trabalhar fora do País, é bom lembrar que apesar de os estrangeiros
terem dificuldade de pronunciar “ãos” “xiboleteiros”, isso não impediu ou não
impede que vários “Joões” tenham mostrado (e ainda mostrem) seu imenso valor,
inclusive lá fora. São Joões que os pais
de João Pedro tanto admiram por, entre outras coisas, amarem e tratarem tão bem
a Língua Portuguesa e o País.
Entre tantos Joões
que inspiraram o nome do pequeno estão João Guimarães Rosa, autor tão querido
do amado vô Miro (e que o pequeno reconheça sempre o avô através das letras
miúdas escritas nas margens dos livros e o encontre dentro do coração), e João
Cabral de Mello Neto: dois escritores fabulosos, que tiveram inclusive
respeitáveis carreiras diplomáticas. E nunca
se soube que seus nomes atrapalharam seus caminhos e suas artes.
Que inspirado
neles e em tantos outros Joões e Pedros, que o menino saiba trilhar livre seu
próprio caminho.
***
João Guimarães Rosa, João Cabral
de Mello Neto, e também João Antonio, João Gilberto, João Nogueira e João da
Baiana, cada um com seu “ão” bem sonoro, foram fontes de inspiração para o nome
do pequeno João Pedro. E servem como
prova de que um nome com a marca tão típica da Língua Portuguesa não impede o
reconhecimento em terras alheias.
E há outros tantos Joões queridos
que também foram fonte de inspiração para se atribuir tal nome ao menino: o
sambista João Borba – e que João Pedro, como seu pai, encontre toda força e
magia transformadora que o samba tem -, o poeta João Caetano e o generoso João
de Jesus Ângelo, todos amigos adoráveis; os músicos João Pacífico, João
Pernambuco, João do Vale, João Donato e Adoniran Barbosa (Adoniran? Sim! Ele na
verdade se chamava João Rubinato...). E
os escritores João do Rio, João Carlos Marinho e João Ubaldo Ribeiro. Há ainda João Saldanha, a quem Nelson
Rodrigues chamava de “João Sem Medo”. E também Braguinha, que optou pelo
apelido “João de Barro” – passarinho danado de esperto – e que, entre outras
obras-primas, compôs a letra de Carinhoso, música tão querida pelos pais de
João Pedro. Isso tudo sem falar num admirável
bisavô paterno (trisavô, portanto, de João Pedro) – um grande médico em pleno
século XIX –, cujo nome era João Batista (tendo inclusive inspirado o nome de
dois tios e de um primo do pai de João Pedro).
Entre os santos há São João, a
quem se atribui a autoria do mais poético dos Evangelhos e do alegórico e
mágico Apocalipse. Há também São João
Batista, o destemido, simples e humilde primo de Cristo, cuja festa se comemora
em 24 de junho, aniversário do amigo querido Fernando Szegeri (Ah! João Pedro
pode e deve perder a cabeça por culpa de uma mulher – já que muitas perderão a
cabeça por sua causa –, mas vivo que será, fará isso apenas no sentido
figurado). E também São João Bosco (que sabia da importância da educação para
as crianças), São João Batista de La Salle (padroeiro dos professores,
profissão amada pelos avós de João Pedro, e também do dia do nascimento do pai
do pequeno), João XXIII e São Francisco de Assis. Sim!
Um dos maiores símbolos do verdadeiro cristianismo ficou conhecido como
Francisco, mas nasceu Giovanni (João) Bernardone.
Almeida Garret era João. E mesmo
sem o xibolete, Bach também era – embora um João (o Carlos Martins), com seu
legítimo e sonoro “ão xiboleteiro”, seja reconhecido como um de seus grandes
intérpretes pelo mundo afora.
Nascido do genial Dorival Caymmi
(que o pequeno seja acalentado por sua voz) há João Valentão, que é brigão, mas
“que nunca precisa dormir pra sonhar”. E de Noel Rosa vem o João Ninguém, que
apesar do nome, “muita gente, que ostenta luxo e vaidade, não goza a felicidade
que goza João Ninguém” (mas não se enganem: João Pedro terá, sim,
opinião).
Isso tudo sem falar no mítico
“Joãozinho”, protagonista eterno de singelas piadas que se passam numa sala de
aula qualquer. Pois então: que João
Pedro saiba rir de si próprio.
É preciso lembrar, por fim, que
“J” é a inicial dos nomes de sua vó e bisavó paternas, ambas chamadas
“Jandyras”. Aliás, a avó de João Pedro,
quando mocinha, era conhecida como Jandyrinha ou Janda, saboroso apelido que um
primo disse evocar uma acolhedora varanda (e o pequeno vai saber quanto
acolhedora ela é). Janda que, aliás, rima
com Wanda, nome de uma bisavó muito querida.
Ah! E para quem se lembrar que os
Joões eram as “vítimas” do craque Garrincha, não se esqueça: antes de tudo,
quem tinha Mané por apelido era ele.
***
Muito bem: parece que o nome João
já está bem justificado.
Mas, e Pedro?
Além de o nome evocar os
talentosos e criativos “Pedros” Nava, Américo e Almodóvar – e também o
folclórico Malazartes (não disse que o menino vai ter jogo de cintura?) –, se o
significado de “João” é “Deus é misericordioso”, o de “Pedro” é “rocha, pedra”
(olhe só a presença da poesia de João Cabral aí de novo). Assim, os pais do nosso herói resolveram
equilibrar as coisas e juntar os dois nomes.
E nesse equilíbrio entre a fortaleza e a compaixão reside a razão maior
para o pequeno ser chamar João Pedro.
Sendo Pedro, que ele nunca se
curve diante de poderosos, não tolere preconceitos, seja firme, destemido,
honesto (inflexivelmente honesto) e altivo. Que ele procure não fraquejar nos
momentos decisivos e que possa ter força (e muita saúde) para enfrentar todas
as tempestades. Mas também, nomeado
João, que ele seja bom (infinitamente bom, inclusive de caráter), equilibrado,
caridoso, ponderado, generoso, desprendido, humilde, justo, doce, amoroso, nem
um pouco arrogante, e que sempre, com muito bom-humor (isso é muito
importante), possa sempre estender a mão para quem também precise enfrentar
àquelas tempestades. Não, não é preciso
que seja O Grande como aquele outro Pedro, mas que ele procure ser curioso,
inventivo, carinhoso, sedento de conhecimento e liberdade. E que tenha a capacidade para se encantar e
sonhar como o neto de Dona Benta, o inesquecível Pedrinho.
Entre os santos, há São Pedro
que, tal qual João Batista (o do carneirinho), também está no mastro caipira,
só que com as chaves na mão. Pois esse
Pedro é admirável porque talvez seja um dos personagens mais humanos da
história das religiões (tanto que até sogra tinha...): trabalhador, hábil
pescador de peixes e almas, e profundamente questionador, ele era simples e
sábio. E se em um dado momento negou
três vezes o seu caminho – afinal todos têm direito de errar também –, soube
voltar atrás e enfrentar todos os seus medos, inclusive os da fé e os da morte. Aliás, o momento de sua morte sintetiza sua
coragem. E também sua profunda
humildade.
A letra “P”, que inicia o nome
Pedro, nem precisava ser a do time do coração de seus pais, do vô Roberto, da
vó Maria, dos bisavôs Domingos e Primo...
Mas, acima de tudo, que tal letra faça João Pedro sempre se lembrar de
sua mãe Patricia e do amor que ela sempre teve por ele, mesmo antes de seu
nascimento. E que tal letra também não
o deixe esquecer o doce e sorridente nome “Pixinguinha” para que seus sonhos
tenham sempre o som de uma flauta mágica.
Assim, que João Pedro tenha o brilho no olhar e o eterno sorriso nos
lábios (e no coração) que iluminam tanto sua mãe quanto São Pixinguinha.
Espero que nosso herói tenha o coração maior
que o mundo, mas que no final das contas ele seja livre para ser como quiser,
afinal é bom que o pequeno tenha personalidade própria e única.
João Pedro não precisa ser isso
ou aquilo.
Que ele seja bem-vindo, que seja
muito, muito feliz, mas que o nosso desejo de felicidade para sua vida não se
transforme em carga pesada e enfadonha.
Mas se pudermos pedir uma única
coisa, que seja essa:
Que ele tenha a infinita
capacidade de amar e ser amado.