terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Doce vida

(caio silveira ramos)

Eu poderia dizer que o mar chegou a Minas Gerais.  E que é um mar de lama de detritos, morte e destruição que invadiu o Estado após o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco. Mar que, depois de atingir Minas, chegou ao Espírito Santo: o Rio Doce tem gosto de ferro, negligência e corrupção. 
Ou dizer que Paris sofreu violentos ataques terroristas que mesclam intolerância, radicalismo e covardia. E que tantos outros ataques covardes arrasam, todos os dias, países já assolados pela miséria na África e na Ásia.
Eu poderia comentar sobre as escolas fechadas em São Paulo, os fortes indícios de formação de cartéis para fraudar licitações de linhas de trens e o crescimento do crime organizado debaixo dos bicos do Estado.
Poderia também tratar dos escândalos do Mensalão, do Petrolão ou comentar sobre as estrelas políticas que alegam fins para justificar meios, esquecendo-se que a corrupção só gera mais corrupção e desvirtua todos os fins. Qualquer fim.
Ou até lamentar a arrogância cínica de chefes de Poderes, arautos dos bons costumes e donos de contas suspeitas na Suíça.
Mas hoje eu quero apenas me lembrar do Doceiro.
O Doceiro, que perdi o nome e por isso vou chamá-lo apenas assim, mas com letra maiúscula. O Doceiro, de cabelos pretos e sobrancelhas grossas, que para mim, era igualzinho ao apresentador do Programa de TV “Mundo Animal”.
O Doceiro, que era esperado de quinze em quinze dias na rua da minha casa e tocava a campainha para oferecer seus produtos e seus sorrisos.
O Doceiro, que vinha de chapéu de palha e um carrinho pouco maior que esses de feira, todo rodeado por uma placa de alumínio decorada com furinhos que não deixavam ver os doces lá dentro (talvez só para guardar surpresa).  O Doceiro, que falava o que tinha no dia, enquanto tirava os produtos do carrinho. E ia mostrando tudo, os olhos da gente brilhando junto com as barras firmes em forma de tijolinhos embalados com plástico e com o rótulo grudado no centro: doce de leite, paçoca (daquelas mais consistentes e macias), goiabada e bananada coberta com açúcar, tudo para cortar com faca ou já repartido em quadradinhos.
Houve fases em que ele só vendia um tipo de doce: palitos compridos de bananadinha açucarada embrulhados como se fossem balas em plástico transparente.  Ou pacotes de “geleinha” de mocotó, metade branca, metade rosa. Ou conezinhos de massa frita recheados com doce de coco. Mas tudo o que ele vendia era gostoso.
Até que O Doceiro não veio mais. Fiquei sem sorriso, sem notícias, sem doces, sem saber seu nome.
Mas ficou na boca o gosto da vida verdadeira, sem corrupção, sem intolerância.  Só feita por um sorriso debaixo de um chapéu de palha.


Ilustração: Erasmo Spadotto – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 29/11/2015



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