(caio
silveira ramos)
Eu poderia dizer
que o mar chegou a Minas Gerais. E que é
um mar de lama de detritos, morte e destruição que invadiu o Estado após o
rompimento de uma barragem da mineradora Samarco. Mar que, depois de atingir
Minas, chegou ao Espírito Santo: o Rio Doce tem gosto de ferro, negligência e
corrupção.
Ou dizer que
Paris sofreu violentos ataques terroristas que mesclam intolerância,
radicalismo e covardia. E que tantos outros ataques covardes arrasam, todos os
dias, países já assolados pela miséria na África e na Ásia.
Eu poderia
comentar sobre as escolas fechadas em São Paulo, os fortes indícios de formação
de cartéis para fraudar licitações de linhas de trens e o crescimento do crime
organizado debaixo dos bicos do Estado.
Poderia também
tratar dos escândalos do Mensalão, do Petrolão ou comentar sobre as estrelas
políticas que alegam fins para justificar meios, esquecendo-se que a corrupção
só gera mais corrupção e desvirtua todos os fins. Qualquer fim.
Ou até lamentar
a arrogância cínica de chefes de Poderes, arautos dos bons costumes e donos de
contas suspeitas na Suíça.
Mas hoje eu
quero apenas me lembrar do Doceiro.
O Doceiro, que
perdi o nome e por isso vou chamá-lo apenas assim, mas com letra maiúscula. O
Doceiro, de cabelos pretos e sobrancelhas grossas, que para mim, era igualzinho
ao apresentador do Programa de TV “Mundo Animal”.
O Doceiro, que
era esperado de quinze em quinze dias na rua da minha casa e tocava a campainha
para oferecer seus produtos e seus sorrisos.
O Doceiro, que
vinha de chapéu de palha e um carrinho pouco maior que esses de feira, todo
rodeado por uma placa de alumínio decorada com furinhos que não deixavam ver os
doces lá dentro (talvez só para guardar surpresa). O Doceiro, que falava o que tinha no dia,
enquanto tirava os produtos do carrinho. E ia mostrando tudo, os olhos da gente
brilhando junto com as barras firmes em forma de tijolinhos embalados com
plástico e com o rótulo grudado no centro: doce de leite, paçoca (daquelas mais
consistentes e macias), goiabada e bananada coberta com açúcar, tudo para
cortar com faca ou já repartido em quadradinhos.
Houve fases em
que ele só vendia um tipo de doce: palitos compridos de bananadinha açucarada
embrulhados como se fossem balas em plástico transparente. Ou pacotes de “geleinha” de mocotó, metade
branca, metade rosa. Ou conezinhos de massa frita recheados com doce de coco.
Mas tudo o que ele vendia era gostoso.
Até que O
Doceiro não veio mais. Fiquei sem sorriso, sem notícias, sem doces, sem saber
seu nome.
Mas ficou na
boca o gosto da vida verdadeira, sem corrupção, sem intolerância. Só feita por um sorriso debaixo de um chapéu
de palha.
Ilustração: Erasmo Spadotto – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 29/11/2015
Publicado no Jornal de Piracicaba em 29/11/2015
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