(caio
silveira ramos)
Tinha uma pedra
de dois milímetros no meio do caminho.
Fui parar no
hospital, tomei soro, fiquei de molho e meu João foi passar uns tempos na casa
dos avós. No segundo dia, não por culpa
deles, mas talvez da saudade, e contrariando seu estado habitual, ele estava
amuado, sem apetite, com enjoos. E com febre.
Em situações
extremas, ele incorpora Edgar Allan Poe e dramaticamente brada: “nunca
mais!”. Dessa vez, porém, depois de
surpreendentemente recusar um belo frango empanado, ele cabisbaixo apenas
sussurrou para sua tia: “acho que nunca mais eu serei feliz”.
Mas já na
quarta-feira à noite, depois de nos encontrarmos, ele foi tomar um banho e o
corvo poerento voou para longe: feliz, debaixo do chuveiro, João Pedro cantou o
hino do nosso time com todos os seus vinte pulmões, certo da vitória na final
do campeonato que iria começar dali a vinte minutos.
Depois de vê-lo
com os olhos embaçados durante um tenso jogo anterior, tinha prometido para mim
mesmo que iria acompanhar as partidas do nosso time com a indiferença de uma
madame assistindo, durante o chá, uma partida de golfe no Nepal. Mas depois daqueles dias difíceis, deixei que
João Pedro acompanhasse à partida com todas as emoções que tinha direito.
Antes da disputa
de pênaltis decisiva, ele segurou minha cabeça com doçura e firmeza, encostou
sua testa na minha e olhando fundo nos meus olhos disse: “nessa hora eles têm
que ter paixão. Têm que ter paixão.” Eu só repeti baixinho: “paixão.”.
Depois de
rolarmos no tapete da sala comemorando o título, e já com os ânimos mais
serenos, eu disse que achava que o time tinha atendido seu pedido. Ele,
aliviadamente esquecido, me olhou intrigado, e eu devolvi: “você se lembra do
que disse que o time precisava na hora dos pênaltis?”
“Gols?”
“Sim, mas não
foi isso que você disse.”
“Defesas?”
“Também não.”
“Colocar a bola onde
a coruja faz o ninho?”
“Não. O que é
fundamental na vida, filho? Paaaaaaaai...”
“Pai e mãe.”
Ri gostosamente
e lembrei a ele que tinha dito “paixão”.
Ele gargalhou
feliz, disse um “ah, é!” e, cantando e vibrando, foi comemorar nos braços da
torcida.
Ilustração: Erasmo Spadotto - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 13/12/2015
Publicado no Jornal de Piracicaba em 13/12/2015
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