(caio
silveira ramos)
Ele já tinha me
falado há um mês. E sua fala vinha
acompanhada de todas as regularizações verbais possíveis e lógicas, pois assim
se constrói o falante: “se você não sesse meu pai, eu ia fugir para encontrar
você”.
Mas dessa vez a
frase veio escrita à mão em um cartão de Dia dos Pais. A professora disse para
as crianças não escreverem somente infinitos “te-amos”. E íntimo das letras
desde que suas mãos ainda ajudavam nas caminhadas pela casa, ele não precisou
de sugestões e auxílios para continuar seu texto: de seu lápis solitário, o
verbo renasceu com todas as suas irregularidades, afinal, “ele já fez sete
anos” e para escrever tentou se vestir com algumas poucas normas da Língua que
o enrodilhará pela vida afora:
Papai, te amo! Te adoro!
E também seus gols são muito belos
Se eu tivesse outro pai eu ia fugir para achar você.
João
Pedro
Me deliciei com
o sentimento, com a ideia, com o poema: o ser amado, mais que obrigatório,
escolhido. A possibilidade de uma
existência paralela onde o destino é recusado. A transgressão apaixonada da
fuga na busca do único amor possível. E a vocação inata para tragédia (e ainda
shakespeariana): no mesmo texto, Hamlet, Romeu e Julieta.
Ao reler o
cartão na frente dele, o pequeno pareceu se emocionar. E seu olhar se tingiu de transparências. Mas
logo disfarçou, saiu correndo pela sala em seu futebol imaginário,
locutor-jogador-e-bola nas mesmas pernas e gargantas apaixonadas.
E eu saí para o
trabalho, vendo o menino alardear um de seus bordões: “olha aí!”, enquanto a
bola cruzava a porta da cozinha estufando a rede de sonhos (e quase atingindo
um vaso de flores).
E eu saí para o
trabalho. Orgulhoso por saber que pelo menos um dos meus gols era realmente
belo.
Cartão original - autor: João Pedro
Ilustração: Erasmo Spadotto – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 14/8/2015
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