terça-feira, 27 de outubro de 2015

Histórias das fotos de uma menina

(caio silveira ramos)

Talvez seja muito cedo. Ainda muito cedo. Eu não a conheço, mas preciso falar sobre ela.  Helloysa, Eloísa, Heloísa, Helô: ela.
Mas ainda é muito cedo: Heloísa tem dois anos.
Mas Heloísa tem dois anos e daqui a pouco será moça, morará sozinha, viajará até Paris, passeará em Lisboa.  Eu preciso falar sobre ela agora. Antes que ela ganhe o mundo.
Chegou assim, com dois anos e muitas histórias.  Falando pelos cotovelos, balançando os cachinhos, revirando a vida dos compadres e de três gatos abismados.  Chegou com três DVDs de suas músicas e seus filmes preferidos.  Ainda não a conheço, mas já vou avisando: não sou fã do “Patati Patatá” e cismo com a canção da bolacha de água e sal do “Palavra Cantada”.  Mas gosto da “Peppa Pig” e das músicas do Cocoricó. Vou cantar para ela “Nos dias quentes de verão” e “Chuva, chuvisco, chuvarada”: vamos comer bolo de cenoura com cobertura de chocolate quente e banana saída do forno com açúcar e canela: que a bolacha de água e sal sirva apenas quando tivermos dor de barriga.
Ainda não a conheço. Ou só a conheço pelas fotos. Então vamos falar sobre as fotos na ordem que chegaram para mim. Do jeito que Heloísa chegou. Histórias:

Foto 1: É ela! E é linda. Está frio no parque e Heloísa usa um conjunto vermelho.  Ela parece muito feliz e divide o balanço com uma boneca. Ao fundo, o compadre observa a alegria e segura uma sacola de plástico com a mão esquerda. Não dá para ver o que tem na sacola.
Foto 2:  Heloísa ainda está no balanço com a boneca. Meigamente pende a cabecinha para o lado direito e mostra um sorriso doce. Ao fundo, o compadre observa a doçura e ainda segura a sacola de plástico com a mão esquerda. A sacola tem o logotipo de uma farmácia. Parece que tem um pacote de fraldas dentro. Ou talvez um babador para o compadre.
Foto 3:  Heloísa está no carro, na cadeirinha nova e vermelha. Parece compenetrada. Ao seu lado, sentado no banco, um cachorrinho de pelúcia com focinho igual ao do Mickey.
Foto 4: Heloísa continua no carro, na cadeirinha nova e vermelha. Ao seu lado, permanece o cachorrinho de pelúcia com focinho igual ao do Mickey. Ela sorri. E seu sorriso é ainda mais doce.
Foto 5: Na cozinha da casa nova, Heloísa – com classe e fineza - usa uma colher grande para apanhar as rodelas de banana num prato quadrado de louça. Na mão esquerda ela segura uma chupeta.  Calça meias listadas, que combinam até com a toalhinha da mesa. Ao fundo, na área de serviço, os pés do compadre estão metidos em um par de chinelos confortáveis.
Foto 6: Heloísa já apanhou – com classe, fineza e o apoio da mãozinha que segura a chupeta – a rodela de banana com a colher, e prepara a boquinha (ou o bocão?) para devorar a fruta. Ao fundo não se vê mais os pés do compadre. Deve estar na sala com um livro na mão.
Foto 7: De costas para TV, Heloísa olha para câmera com a chupeta no canto da boca. Deve ter se cansado do “Patati Patatá”.
Foto 8: Ao fundo, estirados sobre o sofá comprido, os pés do compadre (com meias) e os pés da comadre (sem meias). Em primeiro plano, usando uma chupeta em forma de borboleta, Heloísa. Com um sorriso irresistível nos lábios e nos olhos.
Foto 9: Em frente ao piano, de chupeta nova e cachinhos soltos, Heloísa desfila com a mão esquerda na cintura. De blusa amarela e calça vermelha (acho), usa os chinelos de bolinhas da comadre.
Foto 10: Balançando os braços e ainda usando o mesmo modelito – inclusive os chinelos de bolinha da comadre – Heloísa desfila pela sala, desviando dos brinquedos dos gatos. Os gatos não aparecem na foto.
Foto 11: Segurando um aparelho celular na mão direita (acho que ouve música), de camisa vermelha e calça azul, ela se prepara para escovar os dentes.
Foto 12: Ainda com o celular na mão esquerda (deve estar realmente ouvindo música), ela segura, com a outra mão e o canto da boca, uma escovinha de dentes de cabo amarelo e vermelho (deve realmente gostar de vermelho) e vira charmosamente o pezinho esquerdo para dentro. Acho que ela está dançando.

Ainda não a conheço: continuo só com suas fotos, mas preciso, preciso falar sobre ela agora. Antes que ela ganhe o mundo.
Não. Já é tarde.
O mundo já é dela. Todo dela.

Publicado no Jornal de Piracicaba em 27/9/2015

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