(caio silveira
ramos)
Numa tarde de sábado qualquer,
fui comer um lanche na padaria com o pequeno.
A tal padaria é daquelas grandes,
com vasto balcão para venda dos mais diversos pães e doces. No lado direito de quem entra, há uma bancada
em forma de “u” onde são servidos sucos e refeições rápidas, um bufê com
sorvetes “da casa” e um outro com comidas “por quilo”. Por fim, próximas às
grandes vidraças, muitas mesas com quatro ou duas cadeiras onde os clientes
podem se alimentar calmamente. E foi
nesse setor que nós nos sentamos: ele pediu um misto quente. Eu, um café
acompanhado por um pão de queijo na chapa.
O garçom já tinha anotado nosso
pedido, quando me lembrei que o pequeno gosta de um suco que fica na geladeira
do outro lado do estabelecimento. Avisei que iria buscar seu suco e, tranquilo
por conhecer quase todos os funcionários da padaria, o deixei sentadinho
esperando seu misto.
Apanhei o suco e me lembrei que
Patricia, um pouco indisposta naquele dia, tinha me pedido para levar alguns
pãezinhos para casa. Como a fila era pequena e o cheiro do pão avisava que ele
tinha acabado de sair do forno, resolvi esperar a minha vez. Só que um pouco
antes de chegar ao balcão, uma velhinha muito simpática resolveu puxar conversa
com o padeiro, o que fez a compra demorar um tantinho a mais.
Com o pão fumegando no saquinho e
o suco do João nas mãos, contornei o bufê e fui em direção a nossa mesa.
Chegando perto, percebi que o pequeno, ainda que sentado, estava virado para
trás, com certo ar apreensivo.
“Tudo bem, filhinho? Seu misto já
chegou... Não precisava ter me esperado. Frio, o sanduíche não fica tão
gostoso.”
“Você demorou, papai...”
“Me lembrei que precisava comprar
pão pra sua mãe e resolvi não deixar pra saída: vai que a fila aumente...”
“Fiquei pensando, você indo
embora, me deixando aqui...Aí chegando em casa, você e mamãe comemorando...”

“De onde você tirou essa ideia
maluca? Ah! Tá aqui seu suco...”
Ele repetiu mais ou menos o que
já tinha falado: parecia até que a sensação ruim fora esquecida ou perdida no
meio do queijo derretido do misto quente:
“Então...ah, sei lá, você indo
embora...vocês comemorando...Abre o canudo pra mim, por favor?”
Retirei o canudo de dentro da
embalagem plástica que escorregava na sua mão e coloquei dentro da caixinha do
suco. Sorri para o jeito todo dele de dizer “por favor” e “obrigado” e
provoquei:
“Se passasse mais um tempo e o
papai não aparecesse, você iria comer o sanduíche antes de me procurar no outro
lado da padaria ou deixaria ele aí?”
“Eu deixaria o sanduíche aqui”.
“E se fosse um “cookie” ou um
bolo de chocolate quentinho lá da loja da esquina?”
Ele pegou o suco e, enquanto
sugava pelo canudo, olhou para mim. Então, riu, quase se engasgando. Tirou o
canudo da boca, engoliu o suco e abriu um sorriso grande, rindo, rindo.
Eu ri também: a alegria estava de
volta.
Mas escondido em algum canto sei
que dorme um temor desconfiado.
Desconfiado dos abandonos que a
vida teimosamente insiste em repetir.
Ilustração de Maria Luziano - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicada no Jornal de Piracicaba em 24 de setembro de 2017
Lindo querido irmão. Abraços mil. André Cardoso (acho que o Pedroca puxou o senso de humor do pai, mas ele ainda não sabe).
ResponderExcluir