(caio
silveira ramos)
Num
domingo de julho deste 2018, recebi do tio Vavá a triste notícia de que ele
acabara de retornar do enterro do Mirtica.
Não
cheguei a conhecer pessoalmente o Mirtica, mas há poucos meses, neste mesmo
2018, acabei transformando em personagem de uma das minhas crônicas esse grande amigo do tio Vavá
que, como já disse, não é meu tio, mas considero como se fosse.
A
crônica, singela como todas deste Mirante, revelava minha profunda simpatia
pelo Mirtica, que eu conhecia apenas das deliciosas histórias contadas pelo tio
Vavá, principalmente quando ele se encontrava com seu irmão Brancão e seu pai
Domingos. Nelas, o Mirtica se
transformava em enredo, motivo, vírgula e alegria, já que todos tinham a maior
consideração pelo nosso herói, que devia ser um amigo querido e profundamente
divertido.
Quando
minha crônica chegou às mãos do Mirtica, parece que ele se emocionou
profundamente: deve ter se lembrado do seu Domingos, das conversas generosas
regadas a vinho, da sabedoria daquele velho soberano que celebrava a vida
recebendo os amigos na antiga garagem de sua casa em Santo André. Ou talvez
Mirtica tenha enchido os olhos apenas por recordar a amizade de tantos anos com
o quase irmão Vavá, a juventude guardada num canto cada vez mais distante e as
pessoas queridas que partiram como o tempo.
No
velório, a viúva, as filhas e um genro do Mirtica, entre abraços, agradeceram
ao tio Vavá pela crônica. Disseram que durante aqueles poucos meses, mesmo
depois de atingido pela forte pneumonia que acabaria por levá-lo, o Mirtica se
sentia muito feliz, emocionando-se a cada nova leitura. Revelaram ainda que tinha pedido para alguém
tirar uma cópia da crônica, que ele guardava no bolso, relia de vez em quando
ou mostrava para os amigos.
Me
apanhei comovido e ao mesmo tempo preocupado: teria o Mirtica ficado ainda mais
fragilizado pelo texto? Sentira tanta saudade de si e dos outros que afrouxara
o cordel da vida?
Não. No
fundo sei que minha crônica não teve esse poder. Mirtica foi em paz consigo mesmo e com o
mundo, com a certeza do dever cumprido e das amizades cultivadas.
Quanto a
mim, que não conheci o Mirtica, fico com o conforto da crônica guardada no
fundo do bolso de alguma calça esquecida e com a satisfação de continuar
ouvindo seu nome espalhado pelas histórias do tio Vavá e do Brancão, ou pelas
lembranças das eternas conversas com seu Domingos. Pois o simples nome “Mirtica”, pronunciado
com os “erres” piracicabanos ou andreenses, é palavra cheia de sabor que toma
de alegria a boca de qualquer sujeito.
É só
falar ou pensar no seu nome que já um riso escapa, ganha a calçada, dobra a
esquina e se perde por aí.
Publicado no Jornal de Piracicaba em 5/8/2018
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