segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Pedro e os lobos

(caio silveira ramos)

Durante as transmissões dos jogos da Copa do Mundo de Futebol da Rússia, neste 2018, um importante jornalista esportivo, ao comentar a recorrente não marcação de falta pelos árbitros quando Neymar caía no gramado ao ser tocado pelos adversários, filosofou: “é a velha história de Pedro e o lobo: o menino vivia gritando que o lobo estava atacando.  Quando as pessoas chegavam para acudi-lo, ele ria, dizendo que era mentira. Tanto fez, tanto fez, que no dia que o lobo atacou de verdade, Pedro gritou por socorro, ninguém acreditou e ele morreu. Da mesma forma, Neymar vive se atirando no chão, simulando sofrer infrações: quando é derrubado, ninguém acredita mais, mesmo quando a falta é verdadeira”.
A comparação até que foi procedente, tanto que, terminada a participação do Brasil na Copa, parece que Neymar e suas quedas se tornaram motivo de piada no mundo todo. Embora sempre pense que fabulosos cientistas devessem (no mínimo) ganhar bem como grandes jogadores de futebol, acho a perseguição a Neymar um exagero: exceto por algum estrelismo quase infantil, ele é um craque verdadeiro, não tendo aparecido, para mim, nenhum jogador com sua qualidade técnica nos últimos seis, sete anos no País.  Embora não tenha vencido uma Copa, não podemos esquecer que Neymar foi um dos líderes do time que ganhou a até então inédita medalha de ouro no futebol, na Olimpíada de 2014.  Críticos irão dizer que a qualidade das seleções em uma competição olímpica é inferior à das Copas, mas jogadores brilhantes de outras gerações jamais conquistaram a medalha de ouro que Neymar pode pendurar no pescoço.
Mas voltando à comparação do jornalista esportivo (que admiro por seu conhecimento tático, sua memória incrível para relembrar placares de jogos e por seus comentários ponderados e justos): se ele acertou no motivo, trocou o enredo.  Ou no mínimo se enganou com os personagens: o “simulador” não era Pedro. E o lobo era outro.
A história a que o jornalista queria se referir é muito mais antiga que “Pedro e o lobo”.    Ela é uma das fábulas do grego Esopo, que teria vivido no século VI a.C.  Na belíssima edição “Esopo – fábulas completas”, da Cosac Naify, de 2013, com tradução de Maria Celeste C. Dezotti, ilustrações de Eduardo Berliner e apresentação de Adriane Duarte, encontramos a tal fábula sob o título de “O pastor brincalhão”.  O personagem – que não é um menino e tampouco se chama Pedro -, tinha como diversão gritar por socorro porque lobos estariam atacando suas ovelhas.  Por várias vezes enganou os aldeões que corriam para ajudá-lo. Quando, de fato, os lobos avançaram no seu rebanho, ninguém atendeu ao grito de socorro do pastor que acabou perdendo todas as suas ovelhas.
Já a história de “Pedro e o lobo” (provavelmente um antigo conto russo) foi utilizada por Sergei Prokofiev (nascido em 1891 em Sontsovka, localizada na atual Ucrânia) para compor uma peça musical infantil em que alguns instrumentos de uma orquestra são apresentados às crianças.    Assim, o tema do passarinho (Sasha, na versão brasileira adaptada pelos estúdios Disney) é tocado pela flauta; o do gato (Ivan, na versão Disney), pela clarineta; o do pato (para Disney, a pata Sônia), pelo oboé, e o do avô de Pedro, pelo fagote. Já o toque dos tímpanos representa os caçadores e seus tiros, o assustador tema do lobo é executado pelas trompas e o de Pedro, alegre e contagiante, é interpretado pelos instrumentos de corda.
O enredo é bem diferente do da fábula do pastor de Esopo: um grande e faminto lobo assusta a região onde Pedro mora.  Seu avô, preocupado, impede que o menino brinque na campina para que o pequeno não seja devorado. Mas ao perceber que seus amigos bichos estão sendo atacados pelo lobo, com a ajuda de uma corda e do passarinho, Pedro consegue capturar a fera e em seguida não deixa que os caçadores a matem. E triunfante, desfila ao som de sua música.
Se a fábula “mostra que os mentirosos só têm esse lucro: não merecem crédito nem quando dizem a verdade”, “Pedro e o lobo”, além da beleza e da alegria que as músicas de Prokofiev espalham pelo mundo, conta uma história de coragem, amizade e compaixão.  Coisas que faltam tanto a alguns jogadores de futebol quanto a muitos jornalistas esportivos.
Coisas que faltam, afinal, a muitos que andam por aí, sejam pastores de ovelhas, políticos ou mesmo aos cidadãos que os elegem.


Ilustração de Erasmo Spadotto - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 22/7/2018


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