(caio
silveira ramos)
Durante
as transmissões dos jogos da Copa do Mundo de Futebol da Rússia, neste 2018, um
importante jornalista esportivo, ao comentar a recorrente não marcação de falta
pelos árbitros quando Neymar caía no gramado ao ser tocado pelos adversários,
filosofou: “é a velha história de Pedro e o lobo: o menino vivia gritando que o
lobo estava atacando. Quando as pessoas
chegavam para acudi-lo, ele ria, dizendo que era mentira. Tanto fez, tanto fez,
que no dia que o lobo atacou de verdade, Pedro gritou por socorro, ninguém
acreditou e ele morreu. Da mesma forma, Neymar vive se atirando no chão,
simulando sofrer infrações: quando é derrubado, ninguém acredita mais, mesmo
quando a falta é verdadeira”.
A
comparação até que foi procedente, tanto que, terminada a participação do
Brasil na Copa, parece que Neymar e suas quedas se tornaram motivo de piada no
mundo todo. Embora sempre pense que fabulosos cientistas devessem (no mínimo)
ganhar bem como grandes jogadores de futebol, acho a perseguição a Neymar um
exagero: exceto por algum estrelismo quase infantil, ele é um craque
verdadeiro, não tendo aparecido, para mim, nenhum jogador com sua qualidade
técnica nos últimos seis, sete anos no País.
Embora não tenha vencido uma Copa, não podemos esquecer que Neymar foi
um dos líderes do time que ganhou a até então inédita medalha de ouro no
futebol, na Olimpíada de 2014. Críticos
irão dizer que a qualidade das seleções em uma competição olímpica é inferior à
das Copas, mas jogadores brilhantes de outras gerações jamais conquistaram a
medalha de ouro que Neymar pode pendurar no pescoço.
Mas
voltando à comparação do jornalista esportivo (que admiro por seu conhecimento
tático, sua memória incrível para relembrar placares de jogos e por seus
comentários ponderados e justos): se ele acertou no motivo, trocou o
enredo. Ou no mínimo se enganou com os
personagens: o “simulador” não era Pedro. E o lobo era outro.
A
história a que o jornalista queria se referir é muito mais antiga que “Pedro e
o lobo”. Ela é uma das fábulas do
grego Esopo, que teria vivido no século VI a.C.
Na belíssima edição “Esopo – fábulas completas”, da Cosac Naify, de
2013, com tradução de Maria Celeste C. Dezotti, ilustrações de Eduardo Berliner
e apresentação de Adriane Duarte, encontramos a tal fábula sob o título de “O
pastor brincalhão”. O personagem – que
não é um menino e tampouco se chama Pedro -, tinha como diversão gritar por
socorro porque lobos estariam atacando suas ovelhas. Por várias vezes enganou os aldeões que
corriam para ajudá-lo. Quando, de fato, os lobos avançaram no seu rebanho,
ninguém atendeu ao grito de socorro do pastor que acabou perdendo todas as suas
ovelhas.
Já a
história de “Pedro e o lobo” (provavelmente um antigo conto russo) foi
utilizada por Sergei Prokofiev (nascido em 1891 em Sontsovka, localizada na
atual Ucrânia) para
compor uma peça musical infantil em que alguns instrumentos de uma orquestra
são apresentados às crianças. Assim, o
tema do passarinho (Sasha, na versão brasileira adaptada pelos estúdios Disney)
é tocado pela flauta; o do gato (Ivan, na versão Disney), pela clarineta; o do
pato (para Disney, a pata Sônia), pelo oboé, e o do avô de Pedro, pelo fagote.
Já o toque dos tímpanos representa os caçadores e seus tiros, o assustador tema
do lobo é executado pelas trompas e o de Pedro, alegre e contagiante, é
interpretado pelos instrumentos de corda.
O enredo
é bem diferente do da fábula do pastor de Esopo: um grande e faminto lobo
assusta a região onde Pedro mora. Seu
avô, preocupado, impede que o menino brinque na campina para que o pequeno não
seja devorado. Mas ao perceber que seus amigos bichos estão sendo atacados pelo
lobo, com a ajuda de uma corda e do passarinho, Pedro consegue capturar a fera
e em seguida não deixa que os caçadores a matem. E triunfante, desfila ao som
de sua música.
Se a
fábula “mostra que os mentirosos só têm esse lucro: não merecem crédito nem
quando dizem a verdade”, “Pedro e o lobo”, além da beleza e da alegria que as
músicas de Prokofiev espalham pelo mundo, conta uma história de coragem,
amizade e compaixão. Coisas que faltam
tanto a alguns jogadores de futebol quanto a muitos jornalistas esportivos.
Coisas
que faltam, afinal, a muitos que andam por aí, sejam pastores de ovelhas,
políticos ou mesmo aos cidadãos que os elegem.
Ilustração de Erasmo Spadotto - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 22/7/2018
Publicado no Jornal de Piracicaba em 22/7/2018
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