(caio silveira
ramos)
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
(Os
sapos – Manuel Bandeira)
Não sei,
não, mas acho que vivemos no tempo das certezas absolutas.
Em redes
sociais, entrevistas, artigos, livros ou palestras motivacionais, gurus,
filósofos, artistas, astronautas, técnicos de futebol, esportistas,
celebridades renascidas, influenciadores digitais e até sapos expõem com uma
convicção inabalável a receita perfeita para o bem viver. Dissertam sobre a
jogabilidade, o sentido da vida e a arte da guerra. Eles sabem o que é certo,
eles não gaguejam, eles são vitoriosos e farão você alcançar o sucesso.
Você
sempre esteve errado: eles indicarão o caminho.
Seus traumas? Em uma semana, um curso fará você emergir do lamaçal em
que esteve perdido: tudo será revelado pelos sapos que coaxarão aos quatro
cantos a trilha correta da sua liberdade. Da sua liderança. Da sua vitória.
Por que
você pergunta? Por que você questiona? Eles afirmam que você deve questionar,
mas repare: eles já têm as repostas.
Talvez
eu precise fazer um curso desses. Ouvir uma palestra que arranque todas as
minhas dúvidas e me afaste do fracasso. Ou quem sabe eu deva me inscrever em um
canal do “Youtube” em que filósofos de palavra e terno justos me digam como
criar meu filho, como enfrentar meu passado, como renascer para o futuro. Pois eu vivo cheio de dúvidas. Não me orgulho da minha ignorância, mas sei
que ela é vasta. Minhas incertezas caminham comigo diariamente. Mas os sapos coaxam suas certezas.
A
auto-ajuda finalmente catapultou-se das gôndolas das livrarias e invadiu sua
vida. E eu nem sei o que almoçarei
amanhã. Mas eles sabem o que eu devo
comer e a forma que devo me vestir e me portar. Como devo me posicionar a cada
momento. Sabem até em quem eu devo votar.
Do uso do cúrcuma ao reuso de Nietzsche, os sapos dizem que você está
fazendo tudo errado. Tudo foi feito sempre errado. Você sempre errou. O mundo
errou. Mas eles estão certos.
A vida
precisa de certezas. Como seria possível
sem elas construir prédios, desenvolver vacinas, voar sobre os oceanos, ir até
a lua, ensinar matemática, executar leis, erradicar doenças, salvar vidas,
plantar e colher alimentos, passar de geração para geração os conhecimentos
adquiridos pelos povos por tantos séculos?
As certezas são fundamentais para o desenvolvimento humano. Mas não essas certezas que critico: critico a
arrogância dos novos gênios que dizem solucionar qualquer problema existencial por
meio de fórmulas simples e discursos vazios. Critico os alardeadores da vida
saudável baseados na “existência de vários estudos”. Critico os que vendem a ilusão do caminho
seguro para que sua vida adquira novos rumos e você seja um vencedor. Mas vencer
o quê mesmo?
Paro por
aqui, antes que eu me encha de certezas e me torne um novo sapo. Eles que continuem fazendo sucesso, vencendo
suas batalhas (seja quais elas forem) e ganhando seu dinheiro coaxando.
Quanto a
mim, continuarei dando conselhos ao meu filho: ele precisa de certezas para
crescer.
Mas
deixarei sempre com ele o benefício da dúvida.
Publicado
no Jornal de Piracicaba em 8/7/2018
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