sexta-feira, 13 de julho de 2018

O fim da corrupção


(caio silveira ramos)

Recebi no celular um vídeo curioso: dois homens fazendo uma disputa de braço de ferro diante de três moças muito atentas.  Quando o rapaz de óculos percebe que vai perder, passa ao outro – sem que as moças percebam – algumas notas de dinheiro.   Ele guarda (também sorrateiramente) as notas dentro do bolso e imediatamente o jogo começa a virar até a vitória final do moço de óculos, deixando as garotas espantadas e eufóricas.  Para reforçar a armação, o perdedor ainda faz cara de quem está dolorido, lamentando sua derrota.
Mostrei o vídeo ao João que pareceu não ver qualquer graça na cena.  Perguntei se ele tinha entendido o que se passara ali.
“Um estava perdendo, então ele tirou uns papeizinhos do bolso, distraiu o outro, que se desconcentrou e perdeu.”
Me surpreendi: o pequeno, sempre astuto e cheio de frases risonhas sacadas do fundo da cartola, dessa vez tinha sido traído pela ingenuidade de seus nove anos.
“Não filho, não foi isso. Esses ‘papeizinhos’ são notas de dinheiro: um, vendo que não podia ganhar justamente, deu dinheiro ao outro, que não se distraiu: ele aceitou o dinheiro, guardou no bolso e então entregou o jogo.   Isso se chama suborno.
Ele ficou intrigado. Parecia não acreditar:
“Mas por que eles fizeram isso? Por que alguém paga pra ganhar e outro recebe pra perder?”
“Você já percebeu que toda hora, na televisão, nas conversas dos adultos, tem sempre alguém falando a palavra “corrupção”? Isso que eles fizeram é uma forma de corrupção. Toda vez que alguém dá ou recebe algo – que pode ser dinheiro, presente ou favor – para fazer uma coisa que não é justa ou correta, está praticando corrupção.”
“Isso é muito feio. E não tem graça nenhuma, não é?”
“Não. E tem menos graça ainda quando alguém está recebendo ou dando alguma coisa que vai acabar piorando a saúde, a educação, a segurança das pessoas.”
E ficamos os dois calados, sentados no sofá da sala, olhando para o nada ou talvez tentando enxergar o futuro.
Eu não sei quanto a ele, mas senti certa esperança.  Podia ser uma esperança quase piegas e tão ingênua quanto supostamente foi a visão inicial dele quando se deparou com aquele vídeo mostrando a tal queda de braço. 
Porque talvez aquele primeiro olhar não fosse produto da sua ingenuidade, mas de sua incapacidade de aceitar a existência do suborno e da torpeza bilateral que o alimenta.  Talvez ele, sua geração e as próximas cresçam com a percepção natural de que a corrupção seja algo totalmente sem sentido, ultrapassado. Algo que foi moda há muito tempo, como parece que um dia também foi aquele antigo e estranho hábito de fumar cigarros. Algo que um dia bizarramente existiu, mas que para eles não terá qualquer cabimento em seu mundo. Em seu vocabulário. Em suas vidas. 
Não, não. Esqueçam. Reconheço: esse raciocínio foi tão ingênuo quanto o dele. 
Mas se João, pela vida afora, continuar não encontrando sentido em atos como aqueles praticados pelos dois homens do vídeo; se ele persistir em não achar graça nas consequências daqueles mesmos atos, talvez essa minha ingenuidade tenha valido à pena.

Publicado no Jornal de Piracicaba em 25/2/2018


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