sexta-feira, 13 de julho de 2018

O filho que ele quer ter


(caio silveira ramos)

Abriram perto de casa um parque coberto, que tem como atrações trampolins, redes elásticas, paredes acolchoadas, piscinas de espumas sintéticas, tabelas de basquete para “enterradas” depois de saltos fantásticos e até muros escaláveis.  Embora haja um setor exclusivo para adultos, é a parte infantil que mais atrai o público: mães e pais ficam esperando tranquilos (ou fotografando alucinadamente) enquanto suas crianças pulam felizes, parecendo voar como passarinhos.
Pois Joãozinho também foi voar com os amigos. E tudo ia às mil maravilhas quando o Lolô chegou esbaforido dizendo que o João tinha se machucado. Assustada, a mãe do acidentado saiu correndo e o encontrou num canto, com os olhos assustados e as mãozinhas entre as pernas, tossindo, quase sem fôlego, mas sem chorar. Ao seu lado, alguns monitores tentavam lhe dar um copo d’água, enquanto outros explicavam à mãe do pequeno que ele tinha caído, com as pernas abertas, na borda de uma piscina cheias de cubos de espuma. E que, mesmo acolchoada, a tal borda acabara ferindo o Joãozinho em uma região muito sensível.
A mãe levou o menino ao banheiro, examinou-o rapidamente e quando percebeu que ele tinha ficado mais calmo, perguntou se estava tudo bem.  E o Joãozinho, com os olhos molhados e profundamente tristes, encarou a mãe, segurou o choro e disse grave:
“Mamãe... eu... não vou poder mais ter filhos!”
A mãe do Joãozinho já esboçava um riso quando percebeu que o pequeno falava sério e sentido.   Então o tranquilizou dizendo que ele estava só assustado e dolorido, mas tudo ficaria bem. E um dia poderia ter quantos filhos sonhasse.
“E a dor, passou?”
“Tá passando. Só está um tiquinho.”
“Quer voltar a brincar?”
“Não quero, não.”
“Então tá bem.”
Mas faltando uns dez minutos para acabar o tempo de acesso aos brinquedos, ele esqueceu a dor e os temores, e aceitou o chamado dos amigos para voltar a voar.
Quando cheguei do trabalho, já sabendo da aventura, perguntei para ele se tudo estava bem. E se ele ainda estava com dor.
“Na hora doeu muito, mas agora já passou tudo. Papai, você viu o gol do Messi no jogo de hoje à tarde?”
Eu disse que não tinha visto, mas que tentaria ver.   Só que mais do que o belo gol do Messi, ficou passeando na minha cabeça a preocupação embutida na frase que o pequeno tinha dito a sua mãe naquela tarde. 
No serviço, contei aos colegas.  Todos acharam muita graça e se espantaram com uma suposta precocidade do Joãozinho.  Perguntaram de onde viria aquela ideia dele sobre a paternidade e suas origens. Respondi que talvez viesse de uma conversa qualquer comigo ou com sua mãe. Ou talvez, da advertência cuidadosa do professor ao orientar os meninos para se protegerem da bola na formação de uma barreira no futebol.  Uma amiga, rindo também, observou:
“Ele é canceriano mesmo: tem pendores dramáticos e é profundamente ligado à família!”
Eu que desconheço o caminho dos signos, mas me perco perseguindo a poesia, sorri-devaneando com os sonhos do filho. 
Não, não me empavonei por imaginar orgulhosas e numerosas descendências.  Mas sorri por João perceber, na sua ainda curta existência, que a paternidade pode ser uma experiência prazerosa. E, ao que parece pelo tamanho do seu temor de não conseguir conhecê-la um dia, entender que é algo que comporta mais do que a simples capacidade de ajudar a criar outro ser.
É algo que tem a real e bem-aventurada possibilidade de tentar fazer esse outro ser mais feliz.









Ilustração de Erasmo Spadotto - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 11/2/2018

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