quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Água Cristalina

(caio silveira ramos)

João Borba lançou, em 2012, seu CD “Eu comigo e meus amigos“.    João Borba recebeu uma crítica profundamente elogiosa ao seu CD no jornal O Estado de S. Paulo.  João Borba é hoje uma lenda viva da Velha Guarda do Samba Paulista.  João Borba é um dos maiores nomes do samba.  João Borba é piracicabano.  Mas Piracicaba pouco conhece João Borba.
Eu também não conheci João Borba em nossa cidade: fui encontrá-lo na Capital, nos corredores do prédio do nosso trabalho.  Mas só fui conhecê-lo mesmo quando o expediente terminou e nos esbarramos numa roda de samba: ele com sua voz soberana e eu com o meu cavaquinho mambembe.    E foi só João Borba cantar um primeiro samba para eu sentir que encontrara um amigo querido e eterno.  Pedi timidamente que entoasse “Linda Borboleta”, de Paulo da Portela e Monarco, e ele abriu o sorriso e a voz como um abraço fraterno e infinito: “Linda borboleta/ não seja buliçosa/ deixa minha rosa que tão linda está no galho/ é o meu prazer ao amanhecer/ fazer-lhe visita, vê-la banhada de orvalho/ quando vem o sol/ cobre ela de ouro: no jardim do pobre é um tesouro”.  E nos tornamos irmãos para sempre.
Em seu CD, eu sou um dos seus honrados amigos: nossa parceria “Água Cristalina” está lá lindamente vestida por sua voz, que baila com a de Dona Inah, outro mito do samba paulista tardiamente descoberto pela crítica.   Com a suavidade que evoca os duetos de Cascatinha e Inhana, Borba e Dona Inah entoam com sentimento o nosso samba-rural que fala de um rio que teima em existir dentro da alma. O rio de nossos avós que ainda queremos tomar pelos olhos e pela boca. 
Nas outras faixas, Borba, com a sabedoria de seus quase oitenta anos, exala sua música com a maestria da sua voz e de seu talento para nos fazer respirar o samba e a vida.    E “Emossamba” e “Carente”, só para citar dois clássicos da noite paulistana criados por ele, agora encontram seus registros definitivos e passam a correr tranquilamente por nossas veias.
Vejo agora uma foto de meu filho diante de João Borba – aliás, um dos Joões que inspirou o nome do pequenino: no colo negro e majestático daquele grande e fraterno amigo, meu menino parece conversar seriamente sobre a vida. 
Mas olhando bem de perto, descubro que a conversa é outra: de dentro da foto, uma melodia doce parece escorrer pela sala e ganhar a rua.   De leve, ouço um tamborim sincopando o asfalto.
E dessa nova parceria nascerá um samba eterno.

 Ilustração: Erasmo Spadotto - cedida pelo Jornal de Piracicaba
                         Publicado no Jornal de Piracicaba em 6/12/2012



Nenhum comentário:

Postar um comentário

INFINITE-SE: