(caio silveira
ramos)
Texto originalmente publicado no encarte do CD
“Casa de Malandro”, de Hermes Petrini, de 2010. O texto chega agora a este
Mirante, revisado, atualizado, ampliado e remexido. Agite(-se) antes de ler.
Quando, há quase 20 anos-luz, bateu no meu escutadô de batucada e
promessa de amor o samba “Filosofia de
Bar”, acendeu um lampião na minha cachola: de-quem-de-quem-é essa
obra-primona sincopada? De quem é esse
sambaço que usa e abusa das bebidas pra construir uma história inteirinha e
risonhada, que bota num balaio tropical o cáiser e o Che Guevara? Pois naquele dia me falaram que o tal samba
era justamente do cantador que estava ali na minha frente empunhando a viola e
atendendo pelo nome de Hermes Petrini.
Tava eu ajudando a arranhar o cavaco pros Menores de Assis,
rapaziada sabidaça que fazia uma roda de samba lá pros lados da Igreja dos
Frades (e que metamorfoseava até bula de remédio em samba-enredo), quando me
apresentaram o mano da Helaine. E o que a moça tinha de formosura e denguice,
ele tinha de talento, música na veia e liderança, pois sendo pouco mais velho,
já era o guruzão daquele bando todo.
Ali e depois fui conhecendo aquele bamba, que além de talentoso, tem
um coração de rodear o mundo e ainda abraçar a Lua, pois se tornou camarada de
horas tantas, músicas muitas e conversas infinitas. Um sujeito capaz de transformar uma torneira
quebrada em prova de amizade e samba de primeira.
E o danado ainda joga nas onze, bate o escanteio, cabeceia na área,
defende debaixo da meta, recolhe – humilde como um gandula –, a bola do lado de
fora, e ainda dá as instruças do banco: manda bem no canto, na corda, no coro e
nas tecladagens; compõe, arranja e interpreta.
E não para por aí: feito polvo habilidoso, dá aula de música pra
meninada, inventa serenata, capricha no choro e incendeia baile e
arrasta-pé. E tem outra: ele ainda toca
em casamento, fazendo a noiva se enformosurar ainda mais na igreja e a festa
terminar com os convidados dançando no teto ao lado do lustre. Se bobear, seu Hermes anima até velório e
convence o morto a saltar de banda, desmaiar três senhoras e sair riscando o
chão do recinto.
E não é que o malandro se metamorfoseia até em pai de canal
educativo? Pois o fulano criou na paz e
na alegria suas duas meninas, hoje moças cheias de talento e belezura (devem
ter puxado a mãe Zahira...) capazes de fechar o comércio da rua Governador e
fazer o sujeito fugir até da Boa Morte. Isso
sem contar que uma delas, a Carina Nina Ninoca da Paçoca, feito o pai, se
bordou de cantoria e danou-se a enfeitiçar montanhas e mundos com suas bagualas
e coplas.
Mas o tal Hermes é mesmo um vagulino estranhoso, que labora sábado,
domingo, feriado e dia santo. Pois
malaco que é malaco sempre tem que estar na contramão: se a honestidade hoje
caiu na valeta, o marginal da vera é aquele que vai lá no meio-fio esgotado e
toma a água da chuva que escorre pelos cantos, quase perdida, justamente pra
resgatar a danada da honestidade, trazer a dita pra tona e escancará-la na
careta da vilanada.
Na linguagera modernosa, Hermes Petrini é um “agitador cultural”, que vai além da música, irradiando
movimentos, tecendo todos os gêneros, dançando na corda ou em cima da lona do
circo. Mas pra mim, ele é um Malaco Agitadeiro,
subvertendo gostos, desgostos e maus gostos. Livre, talentoso e valente.
Como todo malandro de responsa tem que ser.
Ilustração: Erasmo Spadotto - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 2/11/2012
Obrigado por compartilhar amigo.
ResponderExcluirInfinitas felicidades a vc e sua linda família.