terça-feira, 21 de outubro de 2014

João Pedro: mais que um nome

(caio silveira ramos)

(escrevi este texto em 2008. Esta crônica é sua versão diminuída para o espaço e infinitada pela ternura)

(Nota das primeiras noites de acalanto: o texto a seguir foi escrito pouco antes do nascimento do João Pedro, que resolveu dar o ar da sua graça (e estonteante beleza, ora pois) no dia 18 de julho deste 2008.  O número 18 parece ser extremamente significativo para algumas religiões e seu Germano Mathias, que é ligado nessas coisas, já lembrou que 1+8=9 e que “João Pedro” tem 9 letras...
Horas depois do seu nascimento, no comecinho do dia 19 de julho de 2008, faleceu a atriz Dercy Gonçalves: que ele seja alegre como ela e viva muitos e muitos anos, mas por favor, não fale tantos palavrões, menino!
Certo que em um 18 de julho nasceu o craque Arthur Friedenreich (para quem Pixinguinha e Benedito Lacerda compuseram o incrível choro Um a zero, o que me leva a crer que o menino terá muita ginga, ora, ora) e em outros dias 18 de julho de diferentes anos nasceram 3 vencedores do Prêmio Nobel (um de Física e outros dois de Química).  No entanto, por outro lado, num dia 18 de julho parece que Nero botou fogo em Roma e em outro, Hitler publicou Mein Kampf.   Mas será outra a luta de João Pedro, que não é desses e já detesta ditadores e pessoas com o ego inflado: ele incendiará tudo com suas ideias para fazer do mundo um lugar melhor para se viver e sonhar. Que Nelson Mandela – que nasceu num 18 de julho –, e Padre Antonio Vieira – que faleceu num outro mais longínquo –, sejam modelos para o menino. Modelos de que é possível revolucionar o mundo, tornando-o muito melhor, por meio de ideias, da coragem, da força das palavras e de muita arte.  Salve João Pedro!).

Quando buscávamos um nome para dar para nosso filho, muitos amigos sugeriram: “coloque um que possa ser pronunciado fora do Brasil, um nome internacional: se ele for estudar ou trabalhar no exterior, ninguém vai ter dificuldade de pronunciar o nome dele”. Nem preciso dizer que esses amigos se espantaram quando dissemos que o nome seria “João Pedro”.  Vamos lá para as razões:
A palavra “xibolete”, de acordo com o Dicionário Houaiss, significa “sinal convencionado de identificação; senha” (Rio de Janeiro, Objetiva, 2001).  De acordo com o mesmo Dicionário, a palavra vem do hebraico “shiboleth” (espiga), através de cuja pronúncia os soldados de Jefté, um juiz de Israel (sXII a.C.), identificavam seus inimgos efraimitas, que a articulavam como “siboleth”, já que não conseguiam pronunciar palavras com som de “x”. Deonísio da Silva, escritor e professor, completa a lição indagando: “quais seriam os xiboletes, não de alguns falantes da língua portuguesa, mas de todos?” Ele mesmo responde: “o principal é o ‘ão’. O português é a língua do ‘ão’”.
Eruditismos à parte, para quem conhece o pai do João Pedro, sabe que ele é apaixonado pelo seu país, por música e pela Língua Portuguesa. E espera que seu menino cultive também essas paixões.  Assim, João Pedro levará no seu próprio nome a identificação com sua língua (um indiscutível e sonoro “ão”) e o reflexo do amor de seus pais por ela.   Para quem acha que existem por aí muitos Joões e Pedros ruins, verdadeiros Joões bobos, pode anotar que o nome do pequeno não foi inspirado neles. E nem será neles que João Pedro se inspirará. 
Embora “João Pedro” contenha os prenomes de três representantes da família real luso-brasileira, não foi por causa deles que o menino foi assim chamado. Está certo que D. João VI deu um espetacular “chapéu” em Napoleão Bonaparte (isso reconhecido pelo próprio), e o nosso pequeno precisará ter muito jogo de cintura para se livrar dos “zagueiros” mais truculentos; está certo também que D. Pedro I era um sujeito corajoso e apaixonado, e o menino não deve ter medo de se apaixonar perdidamente; por fim, não se pode negar que D. Pedro II era um imperador amante do conhecimento, da leitura, das artes e da cultura, e o nosso João Pedro deve valorizar tudo isso, muito acima de qualquer outro tipo de riqueza.   No entanto, convenhamos, não só por ser de uma família de históricos opositores da Monarquia, mas que João Pedro ame e entenda toda beleza da palavra “República”, pois seu sentido vai muito além da acepção política. Que ele paute sua vida por um comportamento republicano, nunca confundindo o que é público com o que é privado, e que sempre, sempre lute por aquilo que é bom para todos que vivem em seu país e no mundo.
E para quem pensa que o sonoro nome “João” é uma maldade com o menino, caso ele queira estudar ou trabalhar fora do País, é bom lembrar que apesar de os estrangeiros terem dificuldade de pronunciar “ãos” “xiboleteiros”, isso não impediu ou não impede que vários “Joões” tenham mostrado (e ainda mostrem) seu imenso valor, inclusive lá fora.  São Joões que os pais de João Pedro tanto admiram por, entre outras coisas, amarem e tratarem tão bem a Língua Portuguesa e o País.   
Entre tantos Joões que inspiraram o nome do pequeno estão João Guimarães Rosa, autor tão querido do amado vô Miro (e que o pequeno reconheça sempre o avô através das letras miúdas escritas nas margens dos livros e o encontre dentro do coração), e João Cabral de Mello Neto: dois escritores fabulosos, que tiveram inclusive respeitáveis carreiras diplomáticas.  E nunca se soube que seus nomes atrapalharam seus caminhos e suas artes.
Que inspirado neles e em tantos outros Joões e Pedros, que o menino saiba trilhar livre seu próprio caminho.

***

João Guimarães Rosa, João Cabral de Mello Neto, e também João Antonio, João Gilberto, João Nogueira e João da Baiana, cada um com seu “ão” bem sonoro, foram fontes de inspiração para o nome do pequeno João Pedro.  E servem como prova de que um nome com a marca tão típica da Língua Portuguesa não impede o reconhecimento em terras alheias.
E há outros tantos Joões queridos que também foram fonte de inspiração para se atribuir tal nome ao menino: o sambista João Borba – e que João Pedro, como seu pai, encontre toda força e magia transformadora que o samba tem -, o poeta João Caetano e o generoso João de Jesus Ângelo, todos amigos adoráveis; os músicos João Pacífico, João Pernambuco, João do Vale, João Donato e Adoniran Barbosa (Adoniran? Sim! Ele na verdade se chamava João Rubinato...).  E os escritores João do Rio, João Carlos Marinho e João Ubaldo Ribeiro.  Há ainda João Saldanha, a quem Nelson Rodrigues chamava de “João Sem Medo”. E também Braguinha, que optou pelo apelido “João de Barro” – passarinho danado de esperto – e que, entre outras obras-primas, compôs a letra de Carinhoso, música tão querida pelos pais de João Pedro.  Isso tudo sem falar num admirável bisavô paterno (trisavô, portanto, de João Pedro) – um grande médico em pleno século XIX –, cujo nome era João Batista (tendo inclusive inspirado o nome de dois tios e de um primo do pai de João Pedro).

Entre os santos há São João, a quem se atribui a autoria do mais poético dos Evangelhos e do alegórico e mágico Apocalipse.  Há também São João Batista, o destemido, simples e humilde primo de Cristo, cuja festa se comemora em 24 de junho, aniversário do amigo querido Fernando Szegeri (Ah! João Pedro pode e deve perder a cabeça por culpa de uma mulher – já que muitas perderão a cabeça por sua causa –, mas vivo que será, fará isso apenas no sentido figurado). E também São João Bosco (que sabia da importância da educação para as crianças), São João Batista de La Salle (padroeiro dos professores, profissão amada pelos avós de João Pedro, e também do dia do nascimento do pai do pequeno), João XXIII e São Francisco de Assis.  Sim!  Um dos maiores símbolos do verdadeiro cristianismo ficou conhecido como Francisco, mas nasceu Giovanni (João) Bernardone.
Almeida Garret era João. E mesmo sem o xibolete, Bach também era – embora um João (o Carlos Martins), com seu legítimo e sonoro “ão xiboleteiro”, seja reconhecido como um de seus grandes intérpretes pelo mundo afora. 
Nascido do genial Dorival Caymmi (que o pequeno seja acalentado por sua voz) há João Valentão, que é brigão, mas “que nunca precisa dormir pra sonhar”. E de Noel Rosa vem o João Ninguém, que apesar do nome, “muita gente, que ostenta luxo e vaidade, não goza a felicidade que goza João Ninguém” (mas não se enganem: João Pedro terá, sim, opinião). 
Isso tudo sem falar no mítico “Joãozinho”, protagonista eterno de singelas piadas que se passam numa sala de aula qualquer.  Pois então: que João Pedro saiba rir de si próprio. 
É preciso lembrar, por fim, que “J” é a inicial dos nomes de sua vó e bisavó paternas, ambas chamadas “Jandyras”.  Aliás, a avó de João Pedro, quando mocinha, era conhecida como Jandyrinha ou Janda, saboroso apelido que um primo disse evocar uma acolhedora varanda (e o pequeno vai saber quanto acolhedora ela é).  Janda que, aliás, rima com Wanda, nome de uma bisavó muito querida.
Ah! E para quem se lembrar que os Joões eram as “vítimas” do craque Garrincha, não se esqueça: antes de tudo, quem tinha Mané por apelido era ele.

***

Muito bem: parece que o nome João já está bem justificado.
Mas, e Pedro?
Além de o nome evocar os talentosos e criativos “Pedros” Nava, Américo e Almodóvar – e também o folclórico Malazartes (não disse que o menino vai ter jogo de cintura?) –, se o significado de “João” é “Deus é misericordioso”, o de “Pedro” é “rocha, pedra” (olhe só a presença da poesia de João Cabral aí de novo).  Assim, os pais do nosso herói resolveram equilibrar as coisas e juntar os dois nomes.    E nesse equilíbrio entre a fortaleza e a compaixão reside a razão maior para o pequeno ser chamar João Pedro.

Sendo Pedro, que ele nunca se curve diante de poderosos, não tolere preconceitos, seja firme, destemido, honesto (inflexivelmente honesto) e altivo. Que ele procure não fraquejar nos momentos decisivos e que possa ter força (e muita saúde) para enfrentar todas as tempestades.  Mas também, nomeado João, que ele seja bom (infinitamente bom, inclusive de caráter), equilibrado, caridoso, ponderado, generoso, desprendido, humilde, justo, doce, amoroso, nem um pouco arrogante, e que sempre, com muito bom-humor (isso é muito importante), possa sempre estender a mão para quem também precise enfrentar àquelas tempestades.  Não, não é preciso que seja O Grande como aquele outro Pedro, mas que ele procure ser curioso, inventivo, carinhoso, sedento de conhecimento e liberdade.  E que tenha a capacidade para se encantar e sonhar como o neto de Dona Benta, o inesquecível Pedrinho. 
Entre os santos, há São Pedro que, tal qual João Batista (o do carneirinho), também está no mastro caipira, só que com as chaves na mão.   Pois esse Pedro é admirável porque talvez seja um dos personagens mais humanos da história das religiões (tanto que até sogra tinha...): trabalhador, hábil pescador de peixes e almas, e profundamente questionador, ele era simples e sábio.  E se em um dado momento negou três vezes o seu caminho – afinal todos têm direito de errar também –, soube voltar atrás e enfrentar todos os seus medos, inclusive os da fé e os da morte.   Aliás, o momento de sua morte sintetiza sua coragem.  E também sua profunda humildade.
A letra “P”, que inicia o nome Pedro, nem precisava ser a do time do coração de seus pais, do vô Roberto, da vó Maria, dos bisavôs Domingos e Primo...  Mas, acima de tudo, que tal letra faça João Pedro sempre se lembrar de sua mãe Patricia e do amor que ela sempre teve por ele, mesmo antes de seu nascimento.   E que tal letra também não o deixe esquecer o doce e sorridente nome “Pixinguinha” para que seus sonhos tenham sempre o som de uma flauta mágica.  Assim, que João Pedro tenha o brilho no olhar e o eterno sorriso nos lábios (e no coração) que iluminam tanto sua mãe quanto São Pixinguinha.
 Espero que nosso herói tenha o coração maior que o mundo, mas que no final das contas ele seja livre para ser como quiser, afinal é bom que o pequeno tenha personalidade própria e única.  
João Pedro não precisa ser isso ou aquilo.
Que ele seja bem-vindo, que seja muito, muito feliz, mas que o nosso desejo de felicidade para sua vida não se transforme em carga pesada e enfadonha.
Mas se pudermos pedir uma única coisa, que seja essa:
Que ele tenha a infinita capacidade de amar e ser amado.

Ilustrações: Erasmo Spadotto e Maria Luziano – cedida pelos Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 25/7 e 8 e 22/8/2014

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