(caio
silveira ramos)
De uns tempos para cá, me tornei um escritor de
orelha.
De orelha de livros. Por sorte minha, amigos
talentosos (e generosos) me convidaram para fazer pequenas apresentações de
suas obras. E eu, encabulado, mas agradecido
(ou desavergonhado?) tentei não atrapalhar a riqueza das palavras alheias.
Em 2012, dois grandes presentes para mim: uma
orelha para “Outono do meu
tempo” (Scortecci
Editora), de Fernando
Szegeri – fabuloso cronista da era da internet (mas com o coração fincado na
conversa fraterna da mesa de um bar) –, e outra para os contos (principalmente
de ficção científica) de “O grito do sol sobre a cabeça” (Editora Terracota),
de Brontops Baruq, um dos mais fabulosos escritores contemporâneos. Por fim, em 2013, a orelha para “O coringa do cinema” (Editora Giostri), de Matheus
Trunk, profundo conhecedor dos mistérios da Boca do Lixo paulistana.
Nesses tempos de “ditadura da imagem” (e de
lembranças de outras infelizes ditaduras), este Mirante dobra a orelha até 2011
e relembra o texto para o divertido “Gordo
de A a Z”, de Gaspar Bissolotti Neto (Scortecci Editora):
Salve o prazer
Poucos têm sofrido tanto preconceito quanto os gordos: padrões de beleza
impostos pela mídia e pela moda geram sofrimento para milhões de pessoas
(inclusive crianças) que se veem rotuladas como fracas de caráter, pecadoras,
doentes e esteticamente prejudicadas...
“Esteticamente prejudicadas”? Francamente: o gordo é taxado de medonho
para baixo. Já vejo aquela madame seca e
seu estilista (que faz roupa para cabide e não para gente) comentarem sobre uma
linda moça rolicinha, toda feliz com seu pedaço de bolo de chocolate, e sobre o
autor Gaspar Bissolotti Neto: “que gente gooorda e hor-ro-ro-sa!”
Pois Bissolotti veio para dar uma tortada na cara (que desperdício!)
nesse “bom gostismo” azedo (“doce? Não, obrigado, estou de dieta”) que
determina o que é belo, mas se esquece que esqueleto é pra baixo da terra. Com
seu verbo afiado, o grande Gaspar (gordo de corpo e alma) esconde por trás do
auto-humor, setas certeiras de indignação e de liberdade.
Ele parece dizer: abaixo a “modelo-manequim e atriz” que diz comer de
tudo, mas vive com uma barrinha de cereal a cada quinze dias! Abaixo o narciso
de academia que se enoja com celulites charmosas.
Soltem os cintos! Quem gosta de osso é cachorro! Saúde sim,
patrulhamento calórico jamais! Salve as
baleias e os anjos barrocos. Viva a pança de Sancho, Obelix e as curvas de
Druuna! Viva Mônica, Preta Gil e o Marquês de Rabicó. Viva as mulheres que
valem por duas e as que passeiam pelos sonhos dos trabalhadores da construção
civil!
Sob as palavras recheadas e suculentas de Gaspar, gordos de todo mundo,
uni-vos!
Mas por favor, não de um lado do só do globo que pode provocar o deslocamento
do eixo da Terra.
Ilustração: Erasmo Spadotto – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 4/4/2014
Publicado no Jornal de Piracicaba em 4/4/2014
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