(caio
silveira ramos)
Generoso, alegre,
feliz: Jair Rodrigues foi tudo isso. E
acima de qualquer coisa – que isso não seja deixado pra lá –, foi um grande
artista.
Jair partiu no dia 8 de maio de 2014. Seu corpo foi velado no “Hall Monumental” do
prédio onde trabalho. Perto da minha sala. Tive que passar pelo “Hall” naquela
madrugada triste, mas não me aproximei: queria conservar na memória a imagem
dele tal qual conheci na minha infância: a alegria personificada e estampada na
capa do LP “O Sorriso de Jair” (o disco do sucesso “Disparada”, de 1966). Queria também guardar para sempre a voz que
deu vida ao “Triste madrugada”, samba composto por Jorge Costa, artista que há
muito tempo luto para que não seja esquecido.
No meu “Sambexplícito: as vidas desvairadas de
Germano Mathias” (editora A Girafa, 2008), justamente em um capítulo dedicado a
Jorge Costa, escrevi uma singela nota sobre Jair. Segue o texto em forma de abraço:
“Quando Jair Rodrigues lançou seu LP Jair, de 1967, pela Philips, com a faixa Triste madrugada
(aliás, a primeira do lado A), já era um dos maiores astros da música
brasileira. Ele já tinha alcançado os primeiros lugares nas paradas de sucesso
com Deixa isso pra lá (Alberto Paz e Edson Meneses), Disparada
(Geraldo Vandré e Théo de Barros) – música que na interpretação de Jair
dividira o primeiro lugar do II Festival da Record (1966) com A Banda de
Chico Buarque de Holanda –, Vem chegando a madrugada (Noel Rosa de
Oliveira e Adil de Paula, o Zuzuca), Tristeza (Nilton de Souza e Haroldo
Lobo), e também com seus vários duetos com Elis Regina, sua companheira na
apresentação do programa de televisão O Fino da Bossa e nos dois LPs Dois
na Bossa (obs. o LP Dois na Bossa
nº 3 foi lançado após o disco Jair).
Muitos críticos classificam o
estilo de Jair como histriônico, mas ao que parece nem esses críticos parecem
negar o pioneirismo como uma das marcas fundamentais de sua carreira. Jair foi
pioneiro ao se consagrar na década de 60, ao lado de Wilson Simonal e de Jorge Ben
(esse, naquele momento, menos que os outros dois), como um dos primeiros
mega-astros negros brasileiros. De fato, excetuando o fenômeno Orlando Silva –
que se tornara um estrondoso sucesso entre as décadas de trinta e quarenta do
século XX –, a sociedade brasileira e a mídia que a refletia tinham enorme
resistência em aceitar artistas negros como ídolos. Ainda que geniais
compositores e intérpretes das épocas mais variadas, como Baiano, Sinhô,
Pixinguinha, Jorge Veiga, Ciro Monteiro, Caco Velho, Jackson do Pandeiro e Luiz
Gonzaga (só para citar alguns) tenham conseguido êxitos consideráveis em suas
carreiras, em nenhum momento atingiram o grau de sucesso – no sentido que hoje
poderia ser chamado de “estrelato pop” – de Orlando, Jair e Simonal. Se Jair
viu sua carreira declinando aos poucos, mas sem nunca cair totalmente no
ostracismo, o primeiro e o último pagaram caro por terem afrontado, mesmo que
inconscientemente, o preconceito. E acabaram suas vidas condenados a um
inquisidor esquecimento. Aos poucos, porém, a importância de ambos está sendo
resgatada.
O pioneirismo de Jair também está ligado a sua coragem de lançar
gêneros musicais. Com o já citado Deixa isso pra lá, gravado na década
de 60, ele antecipou em muitos anos o lançamento do rap (inclusive americano),
estabelecendo uma fusão com o samba que até hoje não foi conseguida por muitos MCs. (Metanota: Moreira da Silva
brincava dizendo ser o pioneiro do rap, só que de uma forma aprimorada: não
fazia ritmo e poesia com
monólogos, como a maioria dos rappers,
mas com diálogos). No LP O Sorriso de Jair (Philips – 1966), Rodrigues lançou o jequibau – espécie de samba em andamento 5/4 –, com a faixa No
Balanço do Jequibau, de Mário Albanese e Cyro Pereira. Na década de 1970,
Jair foi um dos primeiros a transformar sambas-enredo em sucessos de vendas
(inclusive fora do período carnavalesco), com as gravações de Festa para um
Rei Negro e Tengo Tengo (Mangueira, Minha Madrinha Querida),
ambos de Zuzuca (Adil de Paula), e também de Heróis da Liberdade (de
Silas de Oliveira, Mano Décio e M.Ferreira). Anos depois, resgatou o movimento seresteiro com seus dois
LPs Antologia da Seresta (embora já tivesse gravado inúmeros clássicos
desse repertório anteriormente, como Chão de Estrelas, de Orestes Barbosa e Silvio Caldas,
e Velho Realejo, de Sady
Cabral e Custódio de Mesquita). E ainda ousou uma (muitas vezes criticada)
aproximação com a música caipira (que já o arrebatava desde a consagração de Disparada,
em 1966), com a antológica gravação, em 1985, de Majestade, o sabiá, de Roberta Miranda.
Por fim,
não se pode esquecer que Jair Rodrigues foi um dos primeiros grandes cantores
populares a divulgar os sambistas da Bahia (como Ederaldo Gentil e Edil
Pacheco), e que gravou muitas composições do lendário Venâncio, inclusive o
clássico O Último Pau-de-Arara (no LP Talento e Bossa de Jair
Rodrigues – Philips – 1970).”
Essa foi a nota sobre Jair Rodrigues.
Mesmo com a singeleza do texto, acho que ele me
abraçaria forte para me erguer lá no alto.
Me abraçaria.
Para a tristeza, sem favor, ir embora.
Ilustração: Erasmo Spadotto – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 30/5/2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário
INFINITE-SE: