(caio silveira ramos)
“Minha vida está toda errada: por que Deus simplesmente não aperta a
tecla ‘delete’?”
Mesmo concentrado em seu almoço, o homem não pôde deixar de ouvir o
comentário tão dramático da moça da mesa ao lado que conversava com uma amiga
sobre sua necessidade de ser amada profunda e infinitamente. Talvez pudesse parecer estranho que uma moça
tão bonita (e que, enquanto conversava, movimentava as mãos feito um bailado)
tivesse esse tipo de queixa, principalmente porque lamentava o término de um namoro que tinha acabado por vontade sua: “será que estou agindo certo? Ele
era tão bom, gostava de mim, mas acho isso pouco, burocrático, quero mais,
mais!”
Achei graça quando ouvi essa história, já que o “deletar” pareceu
assumir pela primeira vez um sentido muito mais dramático que o simples
“apagar”, embora, ao que parece, a moça pretendesse exatamente o contrário: ela
queria era viver intensamente.
Exageradamente.
Exageros. Eu pensava
justamente nisso quando aceitei participar do livro “Assim você me mata”,
editado pela Terracota, cuja proposta era reunir vários autores para uma
antologia de contos que deveria ter por tema “o universo brega”. Quando parti
para escrita, percebi que a construção de um texto com o objetivo consciente de
expor o quer que fosse considerado como “brega” era artificial. Isso acabou
resultando em uma mistura de conto e ensaio – com mais notas de rodapé do que
texto, para parodiar o academicismo oco e a preocupação excessiva da literatura
atual com a forma –, que justamente procurava questionar o que seria brega e,
em último caso, a própria finalidade da antologia.
Entre muitos itens, comentei sobre a obra do escritor José Mauro de
Vasconcelos que, nas raríssimas vezes em que foi abordada pela crítica, sempre
foi rotulada como exageradamente sentimentalista e de qualidade duvidosa. Estranhamente, seus livros nunca sofreram
estudos aprofundados ou análises minuciosas e, pelo que sei, ele jamais foi
objeto de dissertações ou teses. Em meu
conto-ensaio, me propus a fazer tal análise no futuro, ainda que eu esteja
afastado dos bancos acadêmicos. Neste
Mirante, começo, a partir de hoje (e em crônicas esporádicas), a tratar de cada
um dos livros de José Mauro de Vasconcelos.
Não irei expor aqui – e nem caberia neste espaço –, teorias literárias:
serão resumos, análises simples e quase sentimentais, que poderão no futuro
servir de embasamento para estudos (meus ou de quem se interessar pela obra do
escritor) mais rigorosos e acadêmicos.
Desde que o livro de contos foi publicado e tornei clara a minha
intenção de estudar os textos de José Mauro de Vasconcelos, amigos começaram a
me mandar pequenas notícias relacionadas a ele. Uma delas tratava do discurso
de posse de Paulo Coelho na Academia Brasileira de Letras. Lá pelas tantas, Coelho, bem no seu estilo,
homenageou José Mauro: “Jamais
li um livro seu, mas não posso perder este momento único para agradecê-lo por
ter levado seu trabalho aos quatro cantos do mundo, ajudando a mostrar às mais
diferentes culturas o que existe na alma intensa e comovente do povo
brasileiro”.
É no mínimo
curioso homenagear um escritor admitindo nunca ter lido sua obra (e ainda assim
revelando seu conteúdo, Ah! Ele é mago...), mas Coelho quis chamar atenção para
aquilo que lhe é, sem trocadilhos, realmente caro: José Mauro foi um dos
escritores nacionais que mais vendeu livros no Brasil e no mundo. Eu, por outro lado, que me impus a ingrata
tarefa de ler cinco livros de Paulo Coelho, constato que, se ambos são bons
vendedores de livros (ou foram: Vasconcelos anda esquecido) e por isso foram
muitas vezes criticados, suas produções são profundamente diversas.
Avessos à
ostentação, José Mauro e sua obra rejeitam o misticismo oportunista para tratar
do sentimento humano. Se esse sentimento
é revelado, de acordo com as poucas críticas, de maneira piegas, se seus
enredos são permeados pelo melodrama pueril para fazer chorar as almas menos
sofisticadas, se seu texto dialoga com a poesia singela e apresenta um estilo
quase descuidado, isso tudo é outra história. História que tentaremos desvendar
passo a passo, (re)lendo seus livros, mergulhando sem receio nas suas fábulas
que dão vozes a árvores, sapos e dezenas de outros seres imaginários.
O que me
parece claro desde já – eu, que ao contrário de nosso internacional “imortal”,
sou leitor de Vasconcelos –, é que seus livros tentam recuperar a ternura que
se esmaece durante a vida. Ternura que
escritor expõe de modo rasgado e quase palpável: a ternura de José Mauro chega
a doer.
Sentimentalismos
superficiais ou profundas delicadezas? A
obra de Vasconcelos revela todos os tons do sentimento humano e por isso pode
acolher desde os excessos da bonita moça que exageradamente pede a Deus que a delete
(mesmo que seu desejo seja o de viver intensamente para ser amada), até as
meiguices do homem que almoça quieto, mas que à noite, antes de dormir,
marejará docemente os olhos relembrando as pessoas que conheceu desde a
infância ou pensando, com profunda ternura, na bela desconhecida da mesa ao
lado que com uma amiga fala de amor.
Não se trata
de literatura de autoajuda: nos livros de Zé Mauro, a moça não encontrará
maneiras de controlar sua vontade de viver intensamente ou o segredo para ser
ainda mais amada. Nem o homem sossegará
sua dor de amar demais.
Exagerados
e ternos, eles simplesmente se encontrarão nas páginas de um livro de José
Mauro de Vasconcelos.
Ilustração: Erasmo Spadotto - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 22/2/13
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