segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Linda flor

(caio silveira ramos)

Era uma apresentação de Natal de alunos da Escola de Música na Catedral de Piracicaba, mas eu me lembro pouco, muito pouco: me lembro do meu encantamento com as melodias que eu já conhecia do inesquecível álbum “40 Canções de Natal”, do Maestro Ernest Mahle; me lembro de alguns músicos e atores, vários deles amigos lá de casa.  Mas o que eu guardo gravado, feito um mapa de felicidade, é apenas um sorriso.
Cantando “Lindas Flores”, várias pastorinhas entraram alegremente pelo corredor central com suas roupas coloridas, cabelos com tiaras enfeitadas e suas cestinhas de vime recheadas de flores para oferecer ao Deus pequenino.  Eu sabia que minha irmã Raquel estaria entre elas, mas quando a vi entrando num quase bailado, com o rostinho inclinado meigamente e um sorriso bordado de olhos e boca, meu Natal se iluminou com todas as luzes.
Desde pequena, Raquel sempre se queixou risonhamente que era a única, entre nós quatro, a não ter o olhar azulado.    Curiosamente, no entanto, se abertos, seus olhos castanhos profundos (de um “verde escondido”, como disse certa vez um oftalmologista) já causam estragos, fechados, provocam suspiros incontroláveis, principalmente quando ela toca, enlevada e acima dos pobres mortais apaixonados, seu violoncelo mágico.
Ela, charmosamente, sempre teve seu jeito particular de sorrir, ainda mais quando encontra alguém na rua: um sorrir tímido, quase como se escondesse envergonhada uma vontade irresistível de rir gostosamente.  Mas então aparecem novamente seus olhos “de verde escondido”: quando os lábios teimam em ocultar o riso no canto da boca, o sorriso escorrega transbordante pelos olhos marotos, que vêm em socorro libertar uma alegria incontrolável e doce.
Naquele Natal, ao entrar pelo corredor da igreja iluminada, os lábios de Raquel novamente tentaram timidamente esconder o sorriso, mas os olhos de toda Catedral, ao verem a pastorinha levando lindas flores até o altar, se refletiram nos olhos dela, e seu sorriso se escancarou pela boca sem medo e graciosamente.
E até hoje o sorriso está lá: nos olhos de Bruno, nos lábios de Anita.
E nos sonhos mais doces de alguém que dorme sereno numa manjedoura.

Ilustração: Erasmo Spadotto – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 27/12/2013


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