(caio
silveira ramos)
Num Mirante anterior, sussurrei que,
além das minhas próprias lembranças, as memórias de alunos, amigos e demais
familiares do Professor Algemiro Coelho Ramos também ajudariam a tecer outros
relatos sobre ele. E algumas “histórias
alheias” começaram a chegar pelo telefone, por e-mails ou mesmo flutuando nas
conversas enrodilhadas pela fumaça de um café no final da tarde. Mas a primeira
delas, encontrei por acaso, navegando pela internet: em um dos diversos blogues
de Fernando Antônio Barbosa Zocca (que escreve com paixão sobre Piracicaba),
encontrei o texto “Recordações” (http://bateria.blogs.sapo.pt/). Há muitos anos não vejo
Fernando Zocca, dona Nice e seus meninos, mas não me esqueço do amor daquele
advogado pelos livros. Pela beleza crônica, em vez de recontá-la, transcrevo
agora parte de seu texto:
“A crônica Algemirando (I) do Caio inspirou-me a escrever algumas
lembranças daquele tempo tão bom em que, minha família e eu, passamos boa parte
das nossas vidas, num casarão antigo, situado na movimentadíssima região
central de Piracicaba.
Meus filhos Gustavo, Guilherme, Nice e eu, fomos vizinhos do professor
Algemiro, da queridíssima Jandyra e seus filhos, quando morávamos e tínhamos
escritório de advocacia à Rua Morais Barros durante a década de 1980.
Eu mantinha a banca, onde atendia clientes, elaborava as peças
processuais, lia jornais e ouvia rádio, na sala da frente da casa. Era
equipadíssimo o escritório; entretanto o estado de conservação do quintal não
deixava de ser um caracterizador da vergonhosa omissão.
Eu não cuidava daquele trecho, e Nice, apesar de se desdobrar na
higienização da casa, no cuidado com os meninos, na alimentação e tudo o mais,
também não podia fazer nada, com aquela espécie de ‘selva amazônica’
particular.
Numa ocasião o professor Algemiro, conversando com Nice e os meninos,
propôs-lhes a feitura de um campinho de futebol no local.
A molecada vibrou com a ideia, Nice ficou na expectativa e eu, quando me
falaram, não opus embargo.
Então o saudoso professor, usando habilmente uma escada apareceu e,
transpondo corajosamente o muro, pôs-se a erradicar a erva daninha, aplainando
depois o terreno.
Em seguida, usando meia dúzia de sarrafos, ele construiu as traves dando
por encerrado, para a alegria incontida dos pimpolhos, os trabalhos daquela
espécie de ‘Itaquerão’ do centro.
Gustavo e Guilherme, hoje na faixa dos 30 anos, lembram-se com muita
alegria, dos momentos em que passavam horas e horas na casa dos professores
Algemiro e Jandyra conversando, ouvindo histórias e aprendendo a jogar xadrez.”
Muitas lembranças retornam com essa história, mas Fernando Zocca parece
me fazer recordar algumas faces de meu pai: um homem que não discriminava pessoas e trabalhos, quaisquer que fossem suas naturezas ou origens.
Fosse a enxada e o martelo, a caneta e o giz, com o mesmo capricho e destreza
ele domava todos os instrumentos. E com o mesmo amor que arava a terra,
encantava a mente dos alunos.
A crônica de Fernando Zocca também revela que o Professor Algemiro era
um homem destemido. Não me lembro nem da palavra “medo” saindo de sua boca ou
de qualquer gesto que indicasse um titubeio diante do perigo. Mas diferente
daqueles que são destemidos por irresponsabilidade, psicopatia ou desamor pela
própria existência, sua ausência de medo se destacava justamente na sua paixão
pelo outro, pela vida. Pela generosidade de sua alma de portas abertas.
Por fim, Dr. Zocca deixa nas
entrelinhas o que ninguém duvida: o Professor Algemiro tinha ao seu lado a
companheira certa, que sempre estendeu sua mão com a mesma generosidade (e com
o mesmo destemor) de quem ama a terra e o papel. Papel onde também moram letras
e notas musicais.
E ela estendeu sua mão para que a alma dele voasse sem freios.
Ilustração: Erasmo Spadotto –
cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 5/4/2013
Publicado no Jornal de Piracicaba em 5/4/2013
Foi entre meus 14 e 15 anos que tive Argemiro e Jandyra como professores. Português e Música. Muito aprendi com ambos. Aprendi a aprender. Aprendi que ensinar é trocar conhecimentos. E aprendi muito mais do que apenas Português e Música e esse legado acompanhou sempre minha profissão: professora.
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